A FILIAÇÃO DIVINA

Deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1, 12) 

Os homens tornam-se filhos de Deus por assimilação a Deus, e assim, por uma tríplice assimilação, os homens são filhos de Deus: 

[1] Pela infusão da graça; donde, quem quer que tenha a graça santificante torna-se filho de Deus (Gl 4, 6): E porque vós sois filhos, Deus mandou aos vossos corações o Espírito de seu Filho.  

[2] Pela perfeição das obras, pois quem faz obra de justiça é filho (Mt 5, 44): Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem. Deste modo serei filhos do vosso Pai, que está nos céus. 

[3] Alcançando a glória, tanto quanto a alma, pela luz da glória (1 Jo 3, 2): Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; como quanto ao corpo (Fl 3, 21): transformará o nosso corpo de miséria. E de ambos modos fala o Apóstolo (Rm 8, 23): esperando a adoção de filhos de Deus. 

Ora, caso se entenda o poder de se tornar filho de Deus quanto a perfeição das obras e a aquisição da glória, nenhuma dificuldade há; pois quando diz deu-lhes poder (Jo 1, 12), compreende-se acerca do poder da graça, pela qual, uma vez tida, pode o homem fazer obras de perfeição e alcançar a glória.

Porém, se compreende acerca da infusão da graça, deu poder de se tornarem filhos de Deus, pois deu o poder de receber a graça; e isto de dois modos: 

[1] Preparando a graça e oferecendo-a aos homens, assim como que escreve um livro e o propõe a outro para que o leia é dito dar o poder de ler. 

[2] Movendo o livre arbítrio do homem para que consinta receber a graça (Tr 5, 21): Converte-nos, Senhor, a ti (movendo nossa vontade para o vosso amor), e nós nos converteremos. E deste modo se chama a moção interior sobre a qual falou o Apóstolo (Rm 8, 30): e aqueles que chamou (instigando a vontade interiormente para consentir em receber a graça), também os justificou, infundindo a graça.

Como, por esta graça, o homem tem o poder de conservar-se na filiação divina, pode também ser dito de outro modo: deu-lhes, isto é, aos que o recebem, poder de se tornarem filhos de Deus, isto é, a graça, pela qual tem o poder de se conservar na divina filiação. Diz São João (1 Jo 5, 18): Sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca: o nascimento que tem de Deus (a graça de Deus pela qual somos regenerados como filhos de Deus) o guarda. 

Assim, pois, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus pela graça santificante, pela perfeição da obra, pela aquisição da glória; e isto, preparando, movendo e conservando a graça. 

(In Ioan., I)

Meditationes ex operibus S. Thomae – Pe. Mézard, O.P.

Tradução: Permanência