A MULHER FORTE E A FIRMEZA DE CARÁTER

modes“Ela pôs a força como um cinto em volta dos seus rins,e fortaleceu o seu braço:  Accinxit fortitudine lumbos suos, et roboravit brachium suum.” (Prov. XXXI, 17)

O que é a força?

Poderia definir-se, a energia da alma, que nos faz suportar com serenidade os enfados e os males da vida, que nos dá a coragem de prosseguirmos nos nossos desígnios com inabalável firmeza, e nos conserva com vigor da ação, que os obstáculos humanos não podem deter. “É, diz São Cirilo,uma ativa energia que faz com que a alma se ponha em ação com o vigor da mocidade.” (Isai. 1.V)

Estas diferentes definições são o comentário destas palavras da Bíblia: Ela pôs a força como um cinto, em volta dos seus rins, e fortaleceu o seu braço.

força e a firmeza de caráter são virtudes que caminham no meio de dois defeitos contrários, a obstinação e a fraqueza; e há uma nova prova desta importante verdade, sobre a qual, por mais de uma vez, tenho chamado a vossa atenção; a virtude e o vício estão, muitas vezes, separados um do outro apenas pela dose da mistura; tornai conveniente a dose e a virtude existe; tirai mais ou menos á dose e o vício começará.

Escutai São Tomás com a sua clareza e concisão ordinária: “A obstinação consiste no apego mais que necessário ás idéias e aos projetos; a fraqueza não tanto, e a firmeza, segundo o necessário: secundum quod oportet”.(Q. II.).

Não encontrareis nunca destas naturezas, de tal modo enfatuadas de si próprias que tudo quanto dizem e pensam deve ser verdadeiro? Tudo quanto sonham se deve realizar? E para as quais o resto vai todo torto?

Tanto que uma idéia lhes penetrou no cérebro, de tal modo se instala que não deixa um cantinho para a opinião contrária. 

Esta idéia tem, muitas vezes, os seus lados absurdos: não importa, entrou nessa cabeça, tomou todos os lugares disponíveis e o omnibus vai completo. Viajantes honestos e elegantes, isto é, pensamentos justos, verdadeiros, graciosos se apresentam, mas os bilhetes estão todos vendidos e já ninguém pode entrar.

Se acontecer – diz Alberto, o grande – a esses espíritos afirmarem que o dia é noite, não tenteis provar-lhes o contrário porque perdereis completamente o vosso tempo”.(Ética, 1,7).

A pertinácia, senhores, é segundo as notas dos moralistas, uma prova de fraqueza de espírito, ou, pelo menos, indica uma paixão não razoável de amor próprio e de vaidade; basta a estes espíritos o terem avançado uma vez ao público para não mais o quererem soltar: e uma vez pronunciadas num sentido e num momento de paixão irrefletida, nada há que os faça recuar, nem mesmo quando sintam o erro da sua persistência. É realmente triste!

Mas a razão e a verdade não conduzem, a maior parte das vezes a inteligência do homem, é a paixão, e, sobretudo, a paixão azeda: e isto é tão verdadeiro quanto podeis fazer passar sucessivamente de uma opinião a outra, certos homens, tomando-se pelo lado em que o vento os lisonjeia. Também nada há mais móvel que os caracteres obstinados.

Nunca estão mais próximos de uma mudança do que quando protestam apego á sua idéia. Esperai alguns dias, e o novo Proteu, tão inflexível e tão absoluto da véspera, terá variado a sua forma: o essencial é reservar-lhe a satisfação de crer que só ele, e sem alguma influência estranha, operou a metamorfose. Não nos espantemos com estas variações: só a verdade é sólida e estável, e o teimoso não está na verdade, nem tem, tão pouco, a sábia medida dela.

Há naturezas colocadas noutro extremo: são os caracteres fracos, que não têm nenhuma consistência. Semelhantes ás esponjas, tomam sucessivamente todas as cores dos líquidos em que as mergulhais. Lançai a esponja numa substância de um negro carregado e ela tornar-se-á negra, passai-a, em seguida, do vermelho ao branco, e ela executará, uma após as outras, as cores mais opostas.

Eis a imagem do temperamento de certas almas! Por fraqueza, pela impotência de resistir, e, outras vezes, por cálculo, adotarão todas as idéias que vos agradarem, dirão sim e não a propósito da mesma questão, como o vento que ora sopra do norte, ora do sul. Seria curioso seguir essas naturezas nos diferentes salões, em que as cambiantes de idéias mais contrárias dominam como soberanas; seria curioso ouvi-las exclamar aqui: – Eu sou rato, vede os meus pés! E ali: – Eu sou ave, vê de as minhas asas!

Seria ainda curioso ouvi-las na mesma conversação, discreteando pró e concluído contra, segundo tal influência, tal receio, tal reviramento de bordo, ou simplesmente, por fraqueza, esse defeito de formas múltiplas e indefinidas, que faz com que um ser ceda, logo que sente oposição e resistência, e que na fraqueza tem muito de preguiçoso, que acha tudo bem ordenado, com tanto que o deixem dormir.
Entre os caracteres obstinados e as naturezas fracas, marcha a virtude da firmeza, que pertence ás suas idéias, aos seus projetos, ás suas resoluções: – secundum quod oportet. O caráter firme, uma vez que examinou perante Deus; que consultou os que a Providência lhe deu por conselheiros naturais, que tomou todas as precauções que sugere a prudência cristã, o caráter firme, repetimos, vai direto ao seu fim, e nada o detêm, nem os discursos dos homens, nem as injustiças da opinião, nem a voz das paixões. Como o corcel de Job, adora a guerra a exclama: –Vamos! Et dixit, vah!

No entretanto, a firmeza não exclui a destreza, a ductibilidade da alma, e a disposição para admitir novas idéias que aperfeiçoam as primeiras: pois é tal a fraqueza humana, tal a ignorância da nossa natureza, que os melhores espíritos não devem nunca parar e petrificar-se numa idéia, a ponto de não admitirem outros que não conservem, limitem, estudem e modifiquem as que já possuímos.

– “A verdadeira firmeza – diz Fenelon – é doce, humilde e tranqüila. Qualquer firmeza austera, altiva e inquieta é indigna de sustentar as obras de Deus.” (Cartas espirituais. CX)

Quando a firmeza tem suas condições, quando é serena, quando se possui na paz e sob o olhar de Deus, nunca ela é extrema, nem impele as coisas e os homens; sabe condescender e apiedar-se; é mola de aço finamente temperado: – tem a consistência e a elasticidade do metal habilmente preparado. É forte, porque se apóia sobre o verdadeiro e o divino; é flexível porque se enche de humildade; inteligente porque desconfia se si própria, e porque volve a decisões que não tivessem sido sabiamente amadurecidas.

Estou a ver que me apresentais uma objeção séria, dizendo-me: Vós não fazeis mais do que recuar a dificuldade. A obstinação é um defeito, que nos prende ás nossos projetos, mais do que é necessário: a fraqueza cede de um modo despropositado. A força, pelo contrário, é uma qualidade que nos prende aos nossos pensamentos e resoluções como é necessário: – secundum quod oportet. Mas onde encontrar a medida que São Tomás chama o necessário?

Confesso, senhoras, que me julgaria felicíssimo se pudesse fazer-vos conhecer um instrumento, com que pudésseis medir tudo, e que vos servisse de indicador para misturardes convenientemente e adesão firme ao verdadeiro, a sábia desconfiança de vós mesmas, e a disposição de vos deterdes, de avançar, de recuar, segundo a oportunidade das circunstâncias e as regras da verdadeira sabedoria.

Existem instrumentos para as misturas perfeitas: tantas colheres de azeite, de vinagre e tantos graeiros de sal. Infelizmente, na ordem moral não os há tão preciosos e tão matemáticos, e esta é a melhor resposta aos espíritos absolutas, que querem, em tudo, uma precisão rigorosa, e decisões, cujos ângulos sejam sempre perfeitamente retos. Ao passo que se avança na vida, tomam-se por suspeitas estas maneiras de conduzir e de talhar as questões.

Todavia indiquemos brevemente as precauções que a prudência sugere.

Antes da adoção de tal ou tal idéia, de terdes seguido este ou aquele partido, refletisteis seriamente? Consultasteis as pessoas nas quais deveis depositar confiança? Não tendes a rijeza que, até na linha do bem, é sempre um defeito? Em vós não degenera a firmeza em uma espécie de fé á vossa infabilidade pessoal, que é nociva ás melhores causas?

Sabeis volver-vos, ouvindo a linguagem na sabedoria e o testemunho das pessoas graves? Outra questão muito essencial: – Sois serenas nas vossas apreciações? Como vos bate o pulso? Não estais agitadas? A agitação nem sempre é, sem dúvida, uma prova de que se esteja em falsidade, mas deve, ao menos, fazer refletir: deve levar-nos a esperar, a dormir uma noite, várias noites sobre um projeto.

Examinai bem, sobretudo, se a vossa pretendida firmeza não vem do amor próprio irritado, da zanga, do azedume, e isto facilmente se conhece, por não sei que tom sacudido, por não sei que movimentos febris, por um humor em ebulição que procura todas as ocasiões de sair com uma lava incandescente.

A força que se bebe na zanga, na irritação, nunca é senão fraqueza” – diz Madame Swetchine.

Não é este o vosso caso? Não sentis em todas as vossas faculdades a dureza do metal, a tenacidade do bronze, que não cede, e que se recusa a todas a elasticidade nos movimentos? Se assim é considerai a vossa firmeza, ao menos de suspeita: “Pois- diz Fenelon – a verdadeira firmeza é doce, humilde, tranqüila. Toda a firmeza austera, altiva, inquieta é indigna de sustentar as obras de Deus… Humilhai-vos – diz ainda o grande arcebispo –mas sem vos amolecerdes.”

Quer isto dizer que depois de tomadas todas estas precauções, não vos enganareis algumas vezes na aplicação? Ah! minhas senhoras, o erro é a sorte da natureza humana, porque só Deus é infalível. Enganar-vos-eis, sem dúvida, ireis, ora para a direita da fraqueza, ora para a esquerda da obstinação: mas, os vossos erros, não serão, pelo menos, perigosos, porque os não sabereis reconhecer.

Deus, que vos ama, dar-vos-á, na ocasião luzes suficientes para que possais descobrir; uma prudente desconfiança de vós próprias tornará fácil a entrada da luz divina, e tereis bastante firmeza para reagirdes no sentido que a graça vos indicar.

Mas se pode haver engano tomando todas estas precauções, que diremos das naturezas obstinadas que só seguem as suas idéias pessoais, que não crêem senão em si próprias, que de tal modo se ligam a um pensamento, sob pretexto de que é verdadeiro, que, a final, acabam por cair em deploráveis exagerações?

Não refletem que, mesmo seguindo uma idéia justa, podem bater no falso porque há no mundo intelectual vários pensamentos que se cruzam, se aperfeiçoam, e porque o exclusivismo é um sistema muito mau, que pode conduzir a abismos, ainda mesmo cavalgando-se um idéia verdadeira.

Que pensar dos espiritosinhos, dos pequenos vasos de tal modo penetrados, embebidos no seu próprio licor, que não crêem possível a existência de um vinho melhor e mais generoso do que o que eles encerram? Também nada os pode entrar, porque estão cheios de si próprios e da fé na sua medida.

Que pensar dos caracteres abruptos, talhados em facetas, que tomam a pertinácia por firmeza, que chamam respeito de si e da sua própria dignidade ás suas ridículas obstinações, e que julgariam desonrar-se, convindo nas suas tolices?

Estas espécies de temperamentos semelham-se, na guia dos negócios, aos cavalos indomáveis que uma vez atrelados a uma viatura, se precipitam com violência, não cedendo ao freio, nem á voz do cocheiro, chegando ao fundo da montanha, depois de terem despedaçado tudo, e talvez comprometido à vida das pessoas que cometeram a imprudência de se confiarem deles.

As naturezas dispostas assim são uma desgraça para as sociedades e para as famílias. Quebram tudo nos negócios e nos homens, e coisas há que, uma vez partidas, nunca mais se concertam. Afastam os espíritos e os corações; e, muitas vezes, o estado de sofrimento que pesa sobre as famílias e as relações sociais, não tem outra causa mais do que esta desinteligência obstinação das naturezas que nunca sabem ceder.

Quanto ao contrário, não seria a vida mais doce, mais cristã, se os caracteres se parecessem com as molas das viaturas bem feitas? Elas são sólidas, suportam os maiores pesos, mas vergam tão docemente que nem se percebem os abalos causados pelos acidentes da estrada, parecendo antes estar num flácido colchão.

É assim que vão os caracteres formados na escola evangélica: são sólidos e resistam a todos os choques; e para melhor resistirem, cedem muitas vezes, e cedem com energia e doçura: – com energia, porque estão á prova dos maus caminhos, e porque mal cedem voltam a tomar o seu lugar; mas tudo isso se opera com tanta doçura e facilidade, que o viajante pode dormir em paz.

Possais vós, senhoras, ser em vossas casas, como estas molas flexíveis e corajosas! Possa a vossa família repousar em vós: marido, filhos e criados!

O vosso papel neste mundo é serem molas dentro de casa; ao menos sede-as sólidas, perfeitamente doces e, sobretudo, sempre oleadas. Deste modo, a criatura caminhará tranqüilamente, com alguns balanços, é certo, porque são inevitáveis neste mundo; mas é neles que se reconhece a perfeição das molas.

No momento do abalo vergareis sem ruído, abaixar-vos-eis sem violência; passada a agitação, retomareis o vosso lugar ordinário. Ainda mesmo que vosso marido tenha o humor difícil, há de acabar por admirar o que nem sempre havia compreendido, e num momento de verdade e de expansão, dirá falando de vós: Que excelente mola tenho em minha casa! Que flexibilidade! Que graciosa elasticidade! E, ao mesmo tempo, que hábil solidez,que me cede resistindo e me resiste vergando! Eu era verdadeiramente desarrazoado queixando-me.

Se, pelo contrário, quereis ser mola inflexível e imóvel, o abalo chegará infalivelmente, o ferro quebrará e a criatura talvez seja partida; e ainda que, coisa difícil, o caso permaneceu secreto, por pouco que transpire, dareis assunto, e talvez divirtais o público á vossa custa.

Susceptibilidade

Antes de terminar este primeiro entretenimento sobre a firmeza, digamos alguma coisa de um defeito, que lhe é completamente oposto, que perturba a vida inteira, e faz da existência uma grande e perpétua maré, e sempre agitada por violentas nortadas: quero falar da susceptibilidade.

É um assunto que nenhum livro tratou ainda talvez, e sobre o qual tenho de deter-me alguns instantes, porque é um defeito ou uma enfermidade, que, faz, muitas vezes, a desgraça da vida e sem outra causa estranha.

Que é, pois, susceptibilidade?

Torna-se difícil definir o silfo ligeiro, calcular a direção dos ventos do mar, os caprichos da imaginação e os sonhos de uma pessoa que tem febre; mas mais difícil ainda definir a susceptibilidade e calcular-lhe as numerosas metamorfoses.

Susceptibilidade vem duma palavra latina que significa facilidade em receber as impressões.

Tendes notado alguns doentes atacados de reumatismo? Pois esses receiam as menores correntes de ar, e, para eles tudo o é; a menor frescura, o menor ruído fere-os e faz-lhes mal. A susceptibilidade é uma espécie de reumatismo na ordem moral: tudo fatiga os doentes desta natureza, tudo os achaca, tudo se transforma numa corrente de ar que lhes produz febre. Se se vai para a direita, magoam-se; se se vai para a esquerda contrariam-se horrivelmente. Os menores atos, as palavras mais inofensivas, tomam para eles proporções espantosas.

Se conversais inocentemente, é contra eles; se guardais silêncio, é porque estais sombrio e triste ao seu lado; se sorris, tendes o ar zombador; se estais grave, é porque não estais bem.

Quando o vosso espírito, ou naturalmente distraído, ou demasiadamente culpado, parece, numa circunstância indiferentíssima ou sem nenhum cálculo, conservar certa reserva silenciosa, o doente achará que o esqueceis completamente, e que pondes de lado os deveres mais sagrados da afeição: debalde permanece no fundo da vossa alma, a mais verdadeira e sincera dedicação de que, mil vezes, lhe tendes dado provas; nada poderá, talvez, curar a sua injusta prevenção esse cérebro fatigado.

Que direi eu? É tão impossível contentar as pessoas assim como saber a direção do vento nos equinócios; é necessário que a melhor vontade do mundo se resigne a sofrer as abordagens do seu humor e do seu descontentamento.

A susceptibilidade indica uma grande fraqueza de espírito e de caráter, ou uma formidável dose de amor próprio e, algumas vezes até, estes dois defeitos reunidos. As almas fortes não são susceptíveis; têm tempero vigoroso, e não se deixam ferir nem atingir pelos mil nadas, pelos mil graus de pó que formam, por assim dizer, o fundo da vida humana.

A alma susceptível é sempre desgraçada, impressionável como a sensitiva, e sempre agitada ao sopro do vento; e apesar de todas as precauções possíveis, a vida é de tal modo feita assim, que, sobre a terra haverá sempre, pelo menos, pequenas correntes de ar na atmosfera das almas, e, muitas vezes, abalos para agitarem esses caracteres vacilantes, que não têm mais consistência do que as folhas da floresta.

Às almas que tão facilmente são afetadas pelas menores coisas, poderia eu dirigir uma frase de São Crisóstomo e dizer-lhes:

Não é a natureza das coisas, é a fraqueza de vossa alma que vos ocasiona tal pesar: – Non rerum natura, sed animi imbecillitas hanc tibi maestitiam affert.” (Epist. Aos Cor.)

Não, não é a natureza das coisas, não foi tal pessoa que vos ocasionou tal pesar, porque nem nisso pensou até; essa idéia é que vos penetrou na cabeça e já não quer sair, e só ela é a causa da vossa desventura. Não, não é á vossa amiga dedicadíssima que é necessário acusar; é a vossa cabeça que zumbe, é a vossa imaginação que tem a faculdade de criar fantasmas. 
Creio que tais fantasmas vos rodeiam realmente, mas no nosso cérebro é que está a magnífica oficina da fabricação deles; o cérebro é que carece de cura. E quando mesmo no espaço andassem voando algumas moscas, quem é que presta atenção ás moscas neste mundo? Há quem procure bater-se com os insetos que volteiam em toda a parte?

Haveria muito que fazer, e no fim de contas seria tempo perdido. Um filósofo pagão, deu-nos, sobre este assunto os mais sábios conselhos:

A maneira mais nobre de perdoar – diz Sêneca – é ignorar os males de cada um. A credulidade faz muito mal: muitas vezes nem mesmo se deve escutar; pois em certas coisas, mais vale ser enganado do que estar em desconfiança. É necessário banir da alma qualquer suspeita, qualquer conjectura, como fonte de injustas cóleras. Tal indivíduo saudou-me polidamente; um outro abraçou-me com frieza; este interrompeu-me bruscamente uma frase começada; aquele não me convidou para o seu banquete; o rosto de um último pareceu-me pouco risonho. Nunca os pretextos faltarão ás suspeitas: vejamos, porém, mais simplesmente as coisas e julguemo-las com benevolência.” (Da cólera, 1.II, c. 23-24)

Fala-nos o mesmo filósofo dum sibarita do seu tempo que se queixou de ter uma arranhadura, por se haver deitado sobre as folhas de rosas dobradas.

Há nesse mundo um grande número de pessoas ás quais parece que nada falta para a felicidade, e, todavia, a susceptibilidade corta-lha a todos os instantes, e é um obstáculo que se interpõe entre elas e os objetos exteriores. Essas pessoas são um pouco semelhantes ao homem de Sêneca: tudo as fatigaria, e até as folhas de rosa, se nelas se deitassem muitas vezes…

Os melros e as outras avezinhas um pouco selvagens, ainda mesmo que eu avance com as intenções mais pacíficas, e até sem pensar nelas, começavam a piar e a fugir de medo, por entre os ramos das árvores; dir-se-ia, em verdade, que me supõem as intenções mais hostis. Mas a causa do seu receio está unicamente na cabeça delas, e o mais seguro seria calarem-se e permanecerem escondidas sob a folhagem, deixando-me passar. Deste modo, eu, nem sequer suspeitaria ali a sua presença e elas estariam perfeitamente protegidas pelo seu silencioso descanso.

Ora, não está nisso uma pequena imagem dos carateres susceptíveis?

Passeais tranquilamente pelas áleas da vida, quando de súbito, sem saber porque, nem como, esses caracteres começam a soltar altos gritos: – dir-se-ia que era intenção vossa declarar-lhes uma guerra encarniçada, quando, com certeza, nem disso concebieis a menor idéia.

Tal ruído não passa da imaginação delas.

A suceptibilidade, senhoras, pode vir dos nervos, do temperamento, de uma imaginação doentia. Quantas sensitivas neste mundo!

O melhor conselho que lhes posso dar é o de cortarem em duas partes, e, às vezes, em três, as suas impressões, ou então suprimi-las completamente, porque só assim estarão na verdade. Desejar-lhes-ia ainda uma alma amiga e sinceramente dedicada, na qual tivessem confiança e derramassem a enchente das suas águas amargas, mas sob a condição de lhes permitirem uma inteira franqueza, e de lhe conservarem uma submissão infantil.

A susceptiblidade, como a princípio dissemos, também nasce, muitas vezes, do amor próprio, e ainda mesmo  que outras causas existissem, o amor próprio e a vaidade, entram, ordinariamente na mistura, em dose consideráveis.

Há naturezas por tal forma vaidosas, que lhes parece que todo o mundo devia pensar nelas: é um instinto de amor próprio, é uma idéia desgraçada que as persegue por toda a parte: se são esquecidas um instante todas as benquerenças são postas de lado. Mal de vós se sois tão imprudentes que não lhes ofereceis um grão de incenso, e, muitas vezes, um turibulo inteiro! Mal de vós se vos escapa uma palavra de crítica, mesmo muito benigna, ou se, em tal soirée, vos aconteceu, por involuntária distração, não lhes prodigalizardes o ramo de mentiras que se chamam – comprimentos!

Podeis ter a certeza de atrair uma erupção de malquerenças, de azedumes, ou pelo menos de fazerdes concentrar interiormente uma futura explosão de cólera profunda.

A humildade, senhoras, não é somente uma grande virtude, é ainda uma fonte de nom senso, de paz e felicidade.

Como se é feliz quando se é humilde!

Que profunda paz se não goza, quando se pode prescindir das criaturas, das suas enganosas palavras e mentirosos elogios!

Como se é ditoso, quando se sabe, nas ocasiões oportunas, transformar-se num tapete que todo o mundo pode calcar aos pés, sem mesmo o atritar!

A natureza não compreende esta linguagem, e, no entretanto, é a linguagem da fé, da verdadeira razão, e a chave da verdadeira ventura. Quer se queira ou não, é necessário que a gente se resigne a ser, muitas vezes, calcado aos pés neste mundo!

Quer se queira ou não, as línguas, as traições, os negrumes, os maus procedimentos farão de nós um tapete, aonde se poderá caminhar com o prazer de um patinador maligno. Pode-se suportar este papel, sem cólera, sem inquietação séria; é perfeitamente conciliável com a dignidade do cristão e a nobreza da resignação, e há uma verdadeira grandeza no levantar-se, no pôr a mão no rosto, e em dizer como o conhecido imperador: – “Nem mesmo me sinto ferido!”

A indiferença por uma multidão de coisas externas, é o segredo da ciência do cristão, e a causa principal da serenidade da alma do justo.

Uma palavra somente como conselho, e terminarei. Se viveis com caracteres susceptíveis, tendo por eles uma terna caridade, aliada a uma sábia firmeza. Sede cheias de compaixão, mas não receies, algumas vezes, fazer-lhes tocar o dedo os moínhos de vento que se lhes afiguram guerreiros armados contra eles. Quando um cavalo é medroso, leva-se ao próprio lugar do perifo imaginário, e acaba-se por curá-lo mostrando-lhe o ridículo do seu medo chimerico.

Mas como há coisas que se não curam completamente na terra, tende paciência, tolerai: evitai, tanto quanto possível o que pode causar-lhes agitação. Há pessoas, cuja cabeça é doente, e cujo cérebro não é muito forte, e já Santo Agostinho o havia notado desde muito:

Quanto mais fracos são os espíritos, tanto mais facilmente se ofendem: – Eo magis offenduntur homines, quo infirmioris sunt.” (Da doutrina de Cristo, I. II, nº 20.)

A caridade quer que tenhamos piedade destes doentes, e que não os exponhamos abertamente a dificuldades, que, na realidade, apenas são grãos de areia tornando-se, todavia, enormes montanhas á força da imaginação. Não tenho pretensões a que evitaremos todos os atritos, pois isso seria um milagre permanente; peço somente o possível e o razoável.

Devo ainda dizer-vos que se viverdes com tais caracteres, tende sempre por precaução um manto de caoutchuc: pois tereis necessidade dele no momento das primeiras bategas.

Possam, senhoras, estas primeiras noções sobre a força ter-vos esclarecido, e preparado para vós a inteligência desta virtude, que é uma das principais belezas da mulher.

Restam-nos ainda muitas coisas a desenvolver; reservo-as para a nossa próxima reunião, e talvez chegueis a compreender que profunda doutrina e que ensino prático há neste elogio que a Bíblia faz á mulher forte:

Ela pôs a força como um cinto em volta dos seus rins, e fortaleceu o seu braço: Accinxit fortitudine lumbos suos, et roboravit brachium suum.” 

Mulher Forte – Mons. Landriot