A PROTESTANTIZAÇÃO DO CONCÍLIO VATICANO II – PARTE 3

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  1. A constituição dogmática sobre a Revelação Divina “Dei Verbum”

Esta constituição abandona a doutrina católica das duas fontes da Revelação, para aproximar-se do sola scriptura dos protestantes. Apresentam-nos de imediato no capítulo 1 a Revelação não mais como comunicação das verdades sobre Deus e suas intenções salvíficas, mas como auto-comunicação de Deus; nisto põem em evidência a passagem da perspectiva objetiva à perspectiva subjetiva.

No artigo 5, descrevem a fé como encontro pessoal com Deus, e dom do homem para com Ele; não se deveria mais considerar a tradição como complemento quantitativo e material da Escritura. Ela teria apenas uma dupla função de reconhecimento do teor do cânon e certidão da revelação. De modo ambíguo, não apresentam o magistério abaixo da palavra de Deus, senão que a seu serviço.

Reconhece-se fortemente no artigo 12 a exegese moderna com sua “Formengeschichte”, embebida no espírito protestante de Bultmann. Não mais se atribui à Santa Escritura a inerrância, mas só dizem que ela ensina a verdade.

artigo 19 fala que os Evangelhos oferecem o veraz e o sincero – no texto originam, acrecentaram: “alimentados pela força criativa da comunidade primitiva”, suprimido após o protesto de muitos dos Padres do Concílio. Na 2ª frase deste artigo, assume o Concílio sem meias palavras a exegese moderna: os apóstolos pregavam uma compreensão mais plena do Cristo, os redatores dos Evangelhos “redigiram” o material desta prédica, i. é., material que eles selecionaram, resumiram e atualizaram.

No artigo 22, encorajam-se as traduções ecumênicas da Bíblia, traduções estas que, de fato, são as utilizadas hoje em dia. Todavia, há mister de se perguntar como, em textos que tais, se formula e comenta a Anunciação de Maria; o mesmo vale para os irmãos de Jesus, e para Mateus 16, 184.

  1. A constituição pastoral “Gaudium et Spes”.

Dela só veremos acerca da inversão dos fins do casamento, nos números 49 e 50. As conferências episcopais da Alemanha e da Áustria declararam, à guisa de comentário, que é a consciência dos esposos que constitui a norma suprema, em vez de dizer que a norma suprema é a doutrina da Igreja, e a consciência pessoal só se pronuncia na aplicação.

  1. O decreto acerca da responsabilidade pastoral dos bispos da Igreja “Christus Dominus”.

Atribui-se no artigo 38 à Conferência Episcopal, em todos os casos, um direito que é obrigação. Assim, abre-se a porta à democratização e à descentralização.

  1. Decreto sbre o ministério e a vida dos padres “Presbyterorum ordinis”.

No artigo 2, dá-se a primazia, como na Lumen Gentium, ao sacerdócio dos batizados, e somente após ao sacerdócio ministerial, como se o segundo emanasse do primeiro – isso é idéia protestante.

  1. O decreto sobre a formação dos padres “Optatam totius”

No artigo 15, dá-se férias à “philosophia perennis”. Nos estudos, o procedimento não seria mais o analítico, antes o sintético; tem-se em conta apenas a gênese dos diferentes sistemas. Vemos aqui na raiz a passagem da ontologia e da metafísica em direção ao empirismo e a história da filosofia.

  1. A declaração sobre a liberdade religiosa “Dignitatis humanae”

Foi de grande interesse para os protestantes esta declaração, e isto sob duplo aspecto, enquanto princípio e fato:

a) enquanto princípio, substitui a ordem objetiva pela livre consciência;

b) enquanto fato, abole os Estados Católicos, que serviam de entrave à penetração das seitas protestantes. Assim, vê-se o Conselho Mundial Ecumênico das Igrejas Protestantes, em Genebra, dirigir-se à presidência do Concílio, em setembro de 1965, pouco antes da quarta e última sessão, para pedir com instância a proclamação da liberdade religiosa, o que se deu a 7 de setembro de 1965

APRECIAÇÃO SOBRE A ATUAL SITUAÇÃO DA IGREJA

Uma influência tão maciça do protestantismo no Concílio só poderia resultar numa Igreja protestantizada. 

  1. A estrutura da Igreja

a) O poder central de Roma diminui consideravelmente, em favor das Conferências Episcopais, que cada vez mais se constituem em igrejas nacionais. O duplo poder da Igreja – por um lado o Papa, por outro os colégios de bispos com o Papa, como se depara na Lumen Gentium e na nota prævia explicativa, nota esta que evita o pior – reaparece nos cânones 336 (direito romano 1983), no Catecismo da Igreja Católica, nº 883, e no novo Compendium, questão nº 183.

Na encíclica Ut unum sit, de 25 de maio de 1995, o Papa João Paulo II diz o seguinte:

“ […] O Espírito Santo nos dê a sua luz, e ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros” 5. (DC 18 de junho de 1995 n° 2118, p. 593 § 95)

b) Por onde se verifique a democratização ad Igreja, a começar nas paróquias, pelos conselhos paroquiais, nas dioceses, e até nos sínodos de bispos em Roma. Existe, de feto, uma hierarquia paralela.

c) É obvio que os inovadores desprezam o monaquismo. Nos Estados Unidos, a vida religiosa está em vias de desaparecer completamente. A vida consagrada se encontra, onde ainda ela existe, distentida no exercício das obras sociais. Nas orações festivas dos fundadores das Ordens, no Novo Ordo, faz-se silêncio sistemático da glória do fundador e da graça da fundação. 

  1. A fé

a) Hoje em dia, a fé na unidade e no caráter absoluto da Igreja está, até entre católicos, posta em xeque ou negada.

b) Introduziu-se um subjetivismo malicioso, não apenas na consciência geral, mas até nas dos católicos. O cardeal Ratzinger, na homilia de abertura do conclave, a 18 de abril, falou da “tirania do relativismo”. Ora, o ecumenismo é justamente o relativismo religioso.

c) Caso todos os fiéis, pela graça do batismo, estejam unidos entre si, duma vez por todas, como afirma o Papa João Paulo II, então a graça é inalienável, o que equivale à uma heresia. Ora, encontramos hoje na Igreja tal otimismo salvífico, que esquece totalmente o julgamento de Deus e a possibilidade de danação.

d) Na declaração comum sobre a justificação, de 31 de outubro de 1999, pretende-se que o homem seja pecador e santo ao mesmo tempo. Só há como fundamentar tal concepção na noção protestante da justificação.

e) Certos membros da hierarquia sentem falta dum espírito de secularização. Não foi Lutero o primeiro representante deste espírito? por exemplo, no axioma: “o casamento é um fato puramente secular”.

f) Mais importa a veracidade, a sinceridade, que a verdade. Há pois uma passagem da ordem ontológica à ordem moral. O cânone 844 do novo direito canônico é um reflexo disso: para conferir os sacramentos da Penitência, Extrema-Unção, Eucaristia a não-católicos, basta a crença nestes sacramentos. Como a Penitência e a Extrema-Unção não interessam aos protestantes, basta-lhes acreditar na presença real para comungar conosco. Não se exige mais a fé de adesão à toda a Revelação, mas apenas a sinceridade duma fé subjetiva.

g) A harmonia entre a graça e a natureza por todo lado está corrompida, assim como a identidade entre Jesus de Nazaré e o Cristo da Fé. O protestantismo, sempre a oscilar entre o racionalismo e o fideísmo, nega – mormente seus teólogos – a divindade do Cristo. Para os fideístas, a religião não passa de sentimento que se diversifica em mil tipos de pentencostalismos. Nesta mesma ordem, o bem comum dá lugar à auto-realização.

h) Em espiritualidade, há um distanciamento notável do espírito de sacrifício, de penitência e de oração.

i) A devoção à Santíssima Virgem e os Santos está quase que completamente enquadrada do espírito moderno.

  1. O culto

As três realidades ontologicamente ligadas entre si, a saber, o altar, o Sacrifício e o pader, são substituídas por três outras realidades também ligadas entre si: a mesa, a refeição, o presidente.

A primeira versão da definição da missa, no Novus Ordo Missae, definição em tudo protestante, encontra-se exatamente na mesma linha do nº 7 da Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Conclilium. Na nova liturgia, fala-se muito, mas os aspectos da oração, do sacrifício e do culto diminuíram deveras.

CONCLUSÃO

Segundo a enciclopédia do ano 2000, há atualmente no mundo 33.820 denominações protestantes diferentes. No fundo, teria de dizer que existem tantas denominações quantos protestantes, pois que cada qual é seu próprio magistério e pastor. Com o Concílio, e após ele, assumiu a Igreja de tal forma os postulados protestantes que ela mesma está quase a tomar o caminho da autodissolução. Que o Senhor da Igreja faça-nos a graça duma reforma rápida e enérgica, uma reforma in capite membris, conforme o exemplo do Concílio de Trento.

Dizia há pouco um prelado da Cúria Romana que deste Concílio só uma coisa restava: uma grande confusão. O cardeal Stickler dizia-se que um dia seriam obrigados a fazer uma revisão do Concílio, e nossa Fraternidade poderia contribuir nela. Estes simpósios, organizados aqui em Paris, são uma magnífica ocasião de pôr mãos à obra.

Tradução: Permanência

1.Como existissem milhares de Igrejas separadas pelo mundo, era impossível convidar cada uma delas a se fazer representar no Concílio. Resolveu o cardeal Bea entrar em contato com as comunidades mais numerosas e convidá-las a enviar delegações que pudessem representar as Igrejas filiadas. O cardeal Bea instou o arcebismo da Cantuária a enviar uma delegação representando a Igreja Anglicana. Aceitaram o convite.

2.Savoir et Servir n° 56, p. 98.

3.Joseph, Cardinal Ratzinger, Œcuménisme et Politique, p. 189, éd. Fayard 1987.

4.E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. [N. da P.]

5.Tradução oficial do Vaticano [N. da P.]