A TÁTICA DO COMBATE (VIDA ESPIRITUAL)

olhaHi in curribus et hi in equis: nos autem in nomine Domini Dei nostri invocabimus (Sl 19,8).

Uns confiam em seus carros, outros em seus cavalos; quanto a nós, apoiamo-nos no nome do Nosso Deus que invocamos.

Se o trabalho da perfeição é uma luta, há, pois, uma estratégia a adotar, uma tática a seguir. Nos combates humanos, triunfa aquele que tem fé em si. O grande recurso do general é manter no coração do soldado a confiança no seu próprio valor.

No combate com o divino amor, o guerreiro mais terrível é a criancinha que nenhuma confiança tem em si mesma, e tudo espera de Jesus que com ela combate. Entretém incessantemente em tua alma a desconfiança absoluta em ti mesma e exalta cada vez mais tua confiança em Deus, e vencerás.

O pais do divino amor é situado além das fronteiras humanas. A nenhum homem é dado pretender sequer, com suas próprias forças, fazer ainda que um passo no caminho que para lá conduz.

O natural e o sobrenatural aproximam-se, entrelaçam-se tão bem, que a alma se engana muitas vezes. Ela atribui a si um papel que pertence exclusivamente à graça. Jesus insinuou-Se de tal modo em seu ser que não raro ela julga andar só, quando é levada em Seus divinos braços.

Deves persuadir-se de que a fraqueza da natureza humana, mesmo corrigida, sustentada e enobrecida pela graça, é sem limites. Tua vontade é a tal ponto volúvel que, sem um socorro gratuito de Deus, apesar de todas as graças passadas, és capaz de cometer o pecado mortal mais abominável e renegar a Jesus que tanto amaste até hoje.

Não percas jamais de vista esta verdade fundamental.

E o que ainda é mais assustador nessa fraqueza radical é que a alma nem por isso se assusta. Ao contrário, ela alimenta em si mesma uma secreta presunção que lhe faz dizer: Jamais cairei!

Essa presunção é, talvez, o único obstáculo sério na vida espiritual. É tão fortemente arraigada em certas almas que, após muitos anos, ainda persiste. Para arrancá-la, Deus, na sua misericórdia, permite numerosas quedas, algumas vezes mesmo pesadas, para que, enfim, a alma decubra o horrível cancro que a consome.

Oh! como é preciso rogar a Deus que nos faça conhecer a nossa fraqueza sem nos deixar cair no precipício.

A alma não chega à completa desconfiança de si mesma senão gradativamente. A princípio, consegue, com a experiência repetida de sua fraqueza, não se admira mais de suas faltas. Para transpor esse primeiro passo, é preciso, para certas almas, bem longos anos, tão boas elas se julgam.

Em seguida, a poder de graças especiais, a alma consegue não somente não mais se admirar, mas mesmo não se despeitar das suas incessantes recaídas. Ela volta a Jesus, depois de cada falta, com a mesma confiança filial, exprime-Lhe o seu pesar, renova-Lhe sua resolução e abraça-O, sem suspeitar que Jesus possa lembrar-Se de sua infidelidade.

Enfim, chegada ao fundo desse abismo, não somente ela não se admira e nem se despeita mais de suas culpas, mas experimenta uma alegria real em sentir-se tão pequena e tão fraca diante de um Deus tão poderoso. Cada uma de suas fraquezas dá ensejo a um ardente ato de amor e de confiança inabalável na bondade de Deus.

Assim, no fundo de seu nada, a alma encontra o máximo da confiança de Deus.

O verdadeiro, o único fundamento desta confiança é, pois Deus só, Deus que é infinitamente bom, poderoso e fiel em Suas promessas. De um lado, nada podemos na ordem sobrenatural, pois que um abismo intransponível a separa da natureza humana. Por outro, Deus exige que sejamos perfeitos, que sejamos santos e imaculados em sua presença.

É claro, pois, que Ele nos dará o necessário para cumprirmos sua vontade.

E não somente Ele nos dará, mas deve dar, pois, sem isso, seria exigir o fim sem os meios. Essa obrigação, Deus impôs-Se a Si mesmo. Chegou até a dar no Evangelho Sua palavra de honra, que Ele a contratava e que Sua promessa seria infalível. Ele nos pede para não duvidar nem de Sua palavra nem de Sua bondade.

Além disso, Ele quer que se saiba que não faz depender a eficácia da oração do mérito daquele que ora, mas tão somente da força intrínseca da divina promessa. Quanto mais miseráveis somos tanto mais o auxílio de Deus deve seguir pronta e plenamente nosso grito de angústia.

Para que esta bondade de Deus te cause mais forte impressão, lembra-te do quanto Deus fez por ti no passado, quando mesmo ainda não O procuravas ou, quem sabe, O evitavas.

Que não faria Ele hoje, quando O amas e buscas de todo o teu coração?

Lembra-te também que o único desejo do Salvador, Sua ocupação única de Redentor, é perdoar tuas faltas e conduzir-te à santidade, à qual aspiras. Toda a obra de Redenção, os imensos sacrifícios que Jesus Se impôs, Seu nascimento, Sua morte cruel, Sua vida eucarística, não tem outro fim senão preparar-te para receberes Seus dons, e agora que desejas recebê-los, agora que suplicas que te não repila, esse Jesus tão indulgente ocultar-Se-ia de ti?

Considera, além disso, que o divino Mestre tem todo o interesse em te conceder a santidade, pois és uma pequena parte Dele mesmo, és um membro do Corpo do qual Ele é a Cabeça.

Tua glória é a Sua, tua imperfeição é para Ele um desdouro.

Se Ele trabalha com essa paciência divina, arrancando-te de ti mesmo, é a fim de formar-te à Sua imagem, infundir em ti Sua vida e apresentar-te ao Seu divino Pai como um outro Cristo.

… Deixa essas verdades consoladoras penetrarem em tua inteligência e descerem no teu coração, e depois faze um ato de confiança heróica como jamais fizeste. Medita profundamente no abismo de teu nada, representa-te toda tua fealdade aos olhos de um Deus infinitamente puro, depois levanta a fronte com uma confiança e uma temeridade criança …

Roga sem cessar a Jesus que conserve em teu coração o desejo da santidade, pede-Lhe que arranque todo o apoio em ti mesmo, e depois deixa que falem os sábios que se escandalizam de tua temeridade infantil.

… Deixa-te, pois, atrair por Jesus, não permitas ao temor ou à desconfiança perturbar teu coração. Afasta, incontinenti, todo pensamento inquietador, toda idéia deprimente, todo sentimento de tristeza ou de desânimo. Esses são os frutos da confiança em ti mesmo.

… Para avançar rapidamente no caminho da santidade, conta mais com  a paciência que com a precipitação. Esse caminho conduz do berço ao túmulo: É preciso caminhar sempre e sempre avançar. A precipitação não encurta a estrada a percorrer; ao contrário, ela provoca o cansaço e o desânimo. Está certo de chegar aquele que, após cada falta, se levantar calmamente e continua seu caminho.

Quanto mais a alma economiza suas forças modera seus ímpetos e contém seu ardor, tanto mais longe irá.

O apressado, ao contrário, esgota-se, enfraquece e tomba sem forças para continuar o caminho.

Confiou demais em si mesmo.

Tem, pois uma vontade sempre enérgica, jamais precipitada, um espírito sempre alerta, jamais preocupado, um coração sempre corajoso, jamais agitado.

Convence-te que, na vida espiritual, Deus leva mais em consideração a imensidade de teus desejos que a perfeição de tuas obras. Esmera-te em executar os bons desígnos, age como se tudo dependesse de ti unicamente e depois observa, sem despeito, que nada fizeste.

O homem não é realmente forte senão em desejos e Deus considera o desejo sincero como se fosse realizado.

Forma grandes projetos, porém confia a Jesus sua excecução. Se forem para Sua glória, Ele há de executá-los por ti ou por outros ainda mais débeis do que tu. Deus não tem necessidade de tuas obras. Ele quer apenas que tenhas a disposição sincera de executar aquilo que te impôs.

Se Ele precisar de criaturas para levar avante grandes empreendimentos, saberá formá-las. Irá buscá-las entre aquelas que não se apóiam na própria força, habilidade ou mérito.

E agora, minha alma, repele toda a confiança em ti mesma, ama a Jesus, oculta-se em Seu Coração, encarrega-O de fazer de ti uma grande santa (alma). Ele o fará certamente.

O Divino Amigo – Pe. Joseph Schrijvers