COMO EDUCAR A CRIANÇA QUE FALTA À VERDADE? – PARTE 2

ment2Vaidade

A)Há crianças (e adultos…) que gostam de chamar a atenção sobre si, pôr-se em evidência, fazer-se o centro de gravitação do mundo. Não o podendo pela força dos fatos, recorrem à inventiva. Não se contentam com a mediocridade da vida: enfeitam-na. Não ouvem uma vantagem alheia, que não tenham outra maior a apresentar. Não é o caso da mentira de compensação, porque aqui já agem de modo consciente.

São gabolas, mas só contam vantagens onde pensam não poderem ser desmascaradas.

– O pequeno que se gabava de saber falar inglês.

– Outro que atira muito bem e feriu o ladrão a tiros; mas o pai lhe tomou o revólver…

– Outra prometia chegar qualquer dia à escola, de helicóptero, que o pai ia comprar.

B)Além das chamadas à realidade, a esses vaiodosos devemos advertir do resultado contraproducente das suas invencionices, que mais os desacreditam que engrandecem. Podem cair no ridículo.

– Estimulá-los a procurar reais situações de prestígios, por meios lícitos: o estudo assegura notas altas, a bondade grangeia amigos, a destreza nos esportes desperta admirações, etc.

– Como se trata de verdadeiras mentiras, falar-lhes do aspecto moral: Deus quer que falemos a verdade. Recomendar o exame de consciência a respeito, e o cuidado de acusar-se desses pecados na Confissão. Mas proporcionar esses meios, de acordo com o desenvolvimento da criança.

Altruísmo

A)Raríssima entre pequeninos (que mentem antes para descupar-se), encontra-se entre escolares, e mais entre adolescentes, a mentira generosa ou altruística, dita em defesa de colegas e amigos, para evitar-lhes desgostos e tirá-los de apuros. Numas vezes, apenas nega a culpa de amigo; noutras, mas raras, toma-a sobre si.

B)Louve o educador a solidariedade, principalmente nos momentos difíceis; mas saliente que um belo sentimento há de ser servido por uma atitude nobre, e não por um meio ilegítimo e vergonhoso, como é a mentira.

– Não é fácil, em casos de solidariedade de grupos, ficar com a verdade. Então importa proclamar a dignidade de quem não mentirá em caso algum, para não trair deiliberadamente a própria consciência.

– Se o adolescemte, ao mentir em favor de alguém, pensa em praticar um ato grandioso, que se desengane. Grandiosa é a fidelidade à verdade. Por alto que pareça o seu móvel, a mentira é incompatível com o sentimento de íntima honradez, que é a melhor base e o melhor prêmio do bom caráter.

Bem apresentada, esta doutrina sustenta o ânimo do jovem. Ou, então, ele não é generoso…

Maldade

A)Em certas mentiras o desejo de vingança se manifesta com clareza, embora seus motivos sejam, às vezes, obscuros. Outras vezes são claros, e basta termos olhos para vê-los. A criança escorraçada percebeu quanto a mentira irrita os pais; mente-lhes para aborrecê-los, vingando-se dos sofrimentos que lhe impõem, protestando contra o tratamento que deles recebe.Tanto é assim que mente sem lógica, afirmando agora o que antes negava, negando fatos notórios, prelibando a indignação que provoca.

– Eu posso não perceber, mas os outros da família facilmente me dirão porque Pedrinho me mente. É para vingar-se de minhas implicâncias e perseguições, das exigências que lhe faço e dos freqüentes ou injustos castigos que lhe imponho.

– A vingança toma, em certos casos, tonalidade curiosa: a criança mente apenas a determinada pessoa, ou sobre determinado assunto. A explicação, quanto aos assuntos, não é tão fácil: o mais das vezes só uma análise profunda a descobre.

– Quando a criança acusa inveridicamente alguém, pode fazê-lo também por vingança ou simplesmente por fraqueza de caráter, para se defender, mesmo à custa do próximo…

– Quando a criança acusa os professores, sejam os pais muito cautelosos em dar-lhes crédito. A facilidade com que é acreditada estímula essas mentiras de vingança.

Ex: Menina de 13 anos tirou sangue do nariz e sujou com ele a blusa, para acusar em casa a professora. Era de ver a satisfação com que mostrava a notícia que o pobre pai levou ao jornal e as palavras de censura com que o jornalista, leviano ou sensacionalista, se referia à mestra caluniada!

B)Mais do que alhures, falharão aqui as tentativas de cura superficiais, diretas ou violentas. Mais que nunca, devemos ir às causas e eliminá-las, para cessarem os efeitos.Afastada a causa da vingança, esta desaparece, levando consigo a mentira que lhe era o instrumento.

– A fraqueza de caráter demanda tratamento cuidadoso, de larga base e duração. Pede mais paciência que rigor. Muito mais assistência que castigos.

– Nos casos mais rebeldes os especialistas serão chamados para diagnósticos e orientação.

Doença

A)Normalmente, aos 7 anos começa a declinar a indiscriminação entre o real e o imaginário. Vamos, porém, que ela persista, sem respeito à idade; que a fantasia continue envolvendo toda a vida, submetendo ou misturando o objetivo ao sonhado. É provavelmente sintoma patológico.

– Quando, além da face citada, a memória, é tão falha que confunde os vários acontecimentos e suas circunstâncias, e a criança não é capaz de repetir de modo idêntico a mesma narrativa; ou quando, mais crescida, não oferece a devida resistência às sugestões, não se trata, infelizmente, de casos normais.

– Se a criança diz coisas abertamente iverídicas com desembaraço, e não percebe que fala inverdades, revela debilidade mental. Nesses casos pode acontecer (graças a Deus, raramente) a mitomania. Os casos de surtos de mentira, mais ou menos agressiva, aparentemente sem motivo, serão provável epilepsia que se manifesta.

– Certas mentiras que revelam dissociações esquizofrênicas nunca aparecem sem outros sintomas de igual natureza.

B)Em todos esses casos da histeria à esquizofrenia, o melhor é não protelar o exame médico. Não são para o tratamento do educador comum. Os pais bastam para a educação normal, como bastam para a saúde física normal. Quando os sintomas são mais graves, assim para os males do corpo como para os da mente, vai-se ao médico. E quanto mais cedo, melhor.

De modo geral

De muitos meios pode o educador lançar mão para corrigir a criança que falta à verdade. Vejamos os principais.

Ir às causas

Em qualquer circunstâncias, o principal cuidado é indagar as causas. Por que mente esta criança? Conhecida a causa, se não é apenas a idade da fantasia, cuidar de removê-la. E como freqüentemente ela está mais em nós que nas crianças, lembremo-nos de água de São Felipe de Néri: tomam-na os pais, saram os filhos… Isto é mais fácil de dizer que de fazer, pois supõe quase sempre a modificação do sistema de educação e do próprio ambiente doméstico ou social. Este último há de ser trocado, quando não podemos higienizá-lo.

Fazer amar a verdade

O fim da educação da sinceridade é infundir amor à verdade, horror à mentira e à deslealdade, quaisquer que elas sejam, ainda pelos motivos aparentemente mais belos. Dar ao educando a coragem de manifestar (prudente e discretamente) as suas convicções, e de assumir a responsabilidade de seus atos.

Isto supõe processos educacionais capazes de dar o gosto da verdade e o seu amor.

Só a alcançaremos atingindo a vontade do educando, movendo-o no desejado sentido. Enquanto não o conseguirmos, estaremos apenas bordejando sem esperança de realizar a verdadeira educação.

Confiar na criança

Um dos meios mais indicados para a cura da criança que mente (mentiras, não fabulação própria da idade) é confiar nela. “Fazer do ladrão fiel”, diz o brocardo. A mentira revela quase sempre um erro de conduta; quem procede bem não precisa mentir.Por sentir-se insegura, recorre à mentira, na esperança de firmar-se. A atitude do educador influirá decisivamente sobre a criança faltosa:

1) com rigor e dureza, precipitá-la-á em novas e mais apuradas mentiras, a fim de escapar aos castigos;

2) com compreensão e bondade, desfará o medo, estabelecerá a confiança, abrirá caminho à verdade.

Mesmo apanhando-a em mentira, devemos dizer-lhe que confiamos nela e esperamos que nos corresponda. Não somente dizer, mas agir assim:

– dando-lhes incumbências de confiança: a princípio pequenas, mas crescentes à medida em que ela corresponder;

– vigiando-a discretamente, para que a espionagem não a irrite;

– pedindo-lhe contas das tarefas, mas de modo amplo e generoso, que não denuncie suspeita nossa;

– renovando-lhe a confiança, mesmo que ela às vezes recaia (por força do hábito ou da natural fraqueza);

– esquecendo (e calando para sempre) as faltas perdoadas.

Ainda quando um relato não nos satisfaz, devemos admitir que fala a verdade, até que o possamos esclarecer. Então, voltaremos ao assunto, com tranqüilidde e firmeza.

A experiência ensina que nas famílias em que as crianças convivem intimamente com os pais, em que estes “perdem tempo” com educação e se interessam pela vida dos filhos, informando-se normalmente das suas atividades quotidianas, a mentira é inexistente ou muito rara.

Estimular

Se os estímulos – prêmios, elogios, cumprimentos – impulsionam aos próprios adultos, quanto mais às crianças. A mentira lhez traz freqüentes vantagens na ordem prática: escapam a castigos, conseguem dinheiro para guloseimas, etc. Decididas a falar a verdade, é preciso não se sentirem fraudadas. O educador deve compensá-las com vantagens reais, tantas e mais do que as conseguidas pela mentira. Assim, elas verão que vale a pena falar a verdade.

A autocrítica

A consciência do homem normal é luz que não se apaga, é voz que não se cala, é verdade que não o engana. Eu minto aos outros; a mim mesmo, não.

O verdadeiro educador não pode esquecer a formação da consciência do educando. E deve interessá-lo profundamente e freqüentemente nesse trabalho fundamental de interrogar-se em face de Deus e de si mesmo. É pena que mesmo católicos só usem habitalmente do exame de consciência para a Confissão. Pagãos, como Sêneca, o queriam quotidiano. Eficaz sempre, ele o é, de modo especial, na correção do mentiroso.

Pergunta este a si mesmo: “Falei a verdade? Disse o que devia dizer? Corresponderam à verdade minhas palavras e atitudes? Fui honesto e leal nas minhas palavras e atitudes? Fui honesto e leal as minhas intenções? Sinto-me tranqüilo diante de Deus?”Respondendo a outrem, poderei enganá-lo; respondendo a mim mesmo, a consciência não permite enganos, ainda que eu os deseje. Levemos a criança a esse exame, certos de que grandes êxitos ele nos proporcionará.

Princípios para a vida

São os princípios que dirigem a vida moral. Inculcá-los é obrigação de todo educador. As bases religiosas, morais e sociais da sinceridade serão lançadas, com segurança, ao longo da educação, quer de modo direto (quando oportuno), quer como caindo por acaso.

As indicações do valor ético da franqueza e da lealdade, da confiança que merece o homem veraz, da coragem moral que a verdade exige, ou, por outro lado, a repulsa à mentira,  a lástima de não podermos crer no mentiroso, mesmo quando diz a verdade, a pena de quem assim compromete a própria honra, etc., podem sair-nos nas conversas, quando as circunstâncias o comportem. Isto vale mais do que os “sermões”, cujos efeitos são sempre menores do que a eloqüência, quando não cansativos e contraproducentes.

E os castigos?

Ditoso educador, o que realizasse a missão sem recorrer a castigos. A maioria, porém, ainda não compreende que é possível corrigir sem punir. Sentem-se enfraquecidos, se não castigarem… Aplicando castigos (quanto mais severamente, melhor!)sentem-se realizados, mesmo que assim mais tenham feito pela perdição que pela emenda do filho! Triste, essa mentalidade.

A essência da educação da sinceridade está, como dissemos, em infundir na criança o amor a verdade. Castigos jamais o conseguirão. Os meios para consegui-los ficaram apontados. Concedo que sejam castigados os realmente mentirosos. E que o sejam mais pela mentira que pela falta conexa.

Ex: Marina quebrou a jarra de estimação, e negou-o. Seja corrigida porque mentiu: seria poupada, se o tivesse confessado. Afinal, um acidente acontece a todos nós.

Convenho que quem está habituado a castigos estranhará se não o receber pelas mentiras. Julgará que os pais não as reputam mal. Como, porém, os castigos, quanto mais severos mais aumentam e refinam as mentiras, aconselho aos que ainda não sabem desfazer-se deles que os apliquem poucos e suaves. É a questão da insegurança: quanto mais ameaçadas, mais mentem as pobres crianças.

As crianças que mentem precisam mais de amparo que de punições. Mentiriam menos, ou não mentiriam, se fossem mais felizes.

A reparação dos danos acusados pela mentira (quando previstos pelos mentirosos) não é castigo, é dever. Assim, quem calunia tem obrigação de retratar-se, para repor o bom nome da sua vítima.

O pecado da mentira

Claro que mentir é pecado, muitas vezes indicado na Bíblia. Contrário a Deus, suma verdade, que nos deu a palavra para a sinceridade: “Seja o teu sim, sim; e o teu não, não“, disse Jesus. Anti-social, pois as relações humanas só oferecem segurança, se fundadas na verdade.

– No adulto, pode constituir pecado mortal, conforme a intenção e o dano previsto. Na Bíblia, as mentiras danosas foram castigadas com grande severidade. (Os dois velhos que caluniaram Susana foram condenados à morte: Daniel, cap. 13) Em crianças, a inconsideração escusa, em geral, de culpa graves, mesmo quando haja o desejo de vingança ou a preocupação clara de fazer mal a outrem.

– Na mentira em causa própria devemos distinguir:

– a fria e calculada, para auferir vantagens;

– a proferida por medo, esta de muito menor malícia. Quando Sara ouviu que ia ter um filho, riu, pois já não tinha idade. O Senhor a argüiu, e ela o negou: “Eu não ri“. O Senhor se satisfez em apontar-lhe a mentira: “Tu riste, sim.”(Gên 18,10-15)

– Para a mentira generosa, a Bíblia chega a ser… generosa também. Quando o faraó ordenou às parteiras dos hebreus que matassem os filhos-homens das mulheres que assistissem, elas não o fizeram, alegando que as hebréias eram tão fortes que davam à luz sozinhas. A Bíblia realça o temor de Deus que as parteiras revelaram, e cala a mentira que pregaram. (Ex. 1,15-21).

– Não exageremos o pecado que possam cometer as crianças ao mentirem. Podemos infundir-lhes o arrependimento sobrenatural, pedir-lhes sinceridade por amor a Deus, ensinar-lhes que peçam auxílio divino para praticarem a sinceridade, a até falar-lhes do pecado, sem contudo sobrecarregar-lhes a consciência com uma culpabilidade acima de sua mente.

Na confissão, acusar-se-ão disto, como se acusam dos demais pecados.

Corrija o seu filho – Pe. Álvaro Negromonte