CORONAVÍRUS: UMA VISÃO SOBRENATURAL

[Nota da Permanência: reproduzimos a seguir nossa tradução do belíssimo sermão do Pe. Denis Puga – FSSPX, dado no sábado passado (7/3/20) na igreja de Saint Nicolas-du-Chardonnet, Paris, após a “Missa votiva para tempos de epidemia”]

Caríssimos fiéis,

Desde tempos imemoriais, sempre foi prática da Igreja, em tempos de calamidade pública, recorrer ao Senhor, especialmente em tempos de epidemia. Sem dúvida, esta não é a primeira e nem será a última na história da humanidade. Mas, as epidemias sempre têm algo de inquietante, já que, como os demônios, você não pode ver o que está atacando você. E assim a Igreja se volta para o bom Deus, especialmente por meio dessa missa muito antiga, que celebramos para pedir a Ele que nos proteja do mal.

O que a Igreja pede a Deus?

O que a Igreja pede com essas orações? Ela certamente pede a Deus que afaste de nós essas doenças; e, se fomos infectados, que nós as vençamos; e, se é chegada a hora da nossa morte, que nos encontre preparados. Mas não só isso: ela pede ainda a luz de Deus para que, durante esses períodos que são sempre especiais, muitas vezes marcados pela desordem social, o católico manifeste a sua fé e a sua virtude, posta à prova pela falta de confiança, egoísmo e falta de caridade. Ela também pede auxílio para todos aqueles que, especialmente entre os católicos, terão que cumprir nesses tempos seu dever de estado de modo cristão. Tenho em mente especialmente os médicos, as enfermeiras e todos aqueles que cuidam dos doentes, pois sempre foi uma das missões da Igreja cuidar dos que sofrem e dos doentes.

A Igreja também ora pelas autoridades públicas, porque esse tipo de provação, esse tipo de calamidade, exige que sejamos governados de maneira justa, com prudência, com sabedoria, mesmo se não compactuamos — longe disso — com todas as posições e opiniões daqueles que nos governam. Há momentos em que devemos pedir ao bom Senhor, como São Pedro disse tão bem, que os ilumine para que possamos nos submeter a sábios mandamentos.

O sentido desses acontecimentos

A Igreja também pede para que entendamos o significado desses eventos. Nossa primeira reação deve ser um reflexo do olhar sobrenatural e aqui, talvez o mais preocupante, caríssimos fiéis, nos dias que correm, não é tanto essa epidemia, não é tanto o que está acontecendo, mas ver que o medo entrou na Igreja, e com ele a preocupação e a falta de fé.

Não é hora de esvaziar as fontes de água benta, não é hora de fechar as igrejas, não é hora de recusar a comunhão para os fiéis ou mesmo os sacramentos para os enfermos. Ao contrário, é hora de nos aproximarmos de Deus, de entendermos o significado dessas calamidades.

Historicamente, a Igreja, por ocasião de pestes e de epidemias, realizou procissões públicas com manifestações da fé; essa tem sido uma oportunidade para a Igreja pregar a penitência. Como na belíssima passagem do Antigo Testamento que acabamos de ler na epístola: o rei Davi pecou por orgulho ao querer recensear o seu povo para ter a satisfação de saber que governava sobre uma grande nação. A conseqüência disso foi punição por Deus. Sim, porque Deus castiga como um pai pode castigar seus filhos. O castigo desse orgulho foi uma epidemia terrível, mas assim que Deus viu que os corações voltaram-se para ele, interrompeu a vingança do anjo da doença.

Tempos de penitência

É chegada a hora da penitência, a hora de retornarmos a Deus, tanto os justos como os pecadores, todos temos de fazer penitência. Deus nem sempre castiga e os acontecimentos, as calamidades, nem sempre são causadas diretamente por Deus, o que pode acontecer em casos excepcionais. São as leis da natureza que produzem essas coisas: terremotos, epidemias. Essas são as consequências do fato de que, desde o pecado original, o homem não é mais o dono de tudo. Sim, o homem não é mais o dono de tudo, caríssimos fiéis.

Mas, desde a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus disse que nos protegeria dessas calamidades públicas se lhe fôssemos fiéis. O problema hoje não é que usemos meios humanos para tentar repelir essas calamidades, isso é completamente normal, tudo isso está na ordem das coisas, o problema é que dizemos a Deus “deixe-nos em paz, vamos controlar isso”. O único que tem a situação “sob controle”, como se diz hoje, é o bom Deus. Então, o que faz Nosso Senhor? Ele nos diz: “Não querem minha ajuda? Façam então tudo sozinho , e esta é a pior coisa, a pior coisa.

Voltemo-nos para o bom Deus

Como já disse, essa não é a primeira epidemia que o mundo enfrenta, e talvez não seja a mais grave. Pensem na gripe espanhola no final da Primeira Guerra Mundial, que causou mais de cinquenta milhões de mortos! A Igreja estava na linha de frente, se têm curiosidade, procurem os arquivos fotográficos da época. Verão as freiras que cuidavam dos doentes e que já usavam a famosa máscara da qual tanto hoje se fala, nada de novo sob o sol. Os católicos estavam na linha de frente para praticar a caridade, às vezes com o risco de suas vidas.

Esta é a oportunidade de manifestar sua fé. Durante a terrível epidemia da gripe espanhola, a Igreja continuou a celebrar o culto, os sacramentos, os sacramentais, o recurso à intercessão dos santos, a grande tradição da Igreja. Devemos fazer o mesmo, caríssimos fiéis. Não sejamos, e agora me dirijo aos padres, não sejamos como aqueles maus pastores que quando vêem ao longe o lobo — ou o vírus — fogem. Sejamos bons pastores.

Vítimas com Nosso Senhor

Caríssimos fiéis, sempre nos perguntamos, quando há desastres, porque os bons também são afetados. Não apenas os pecadores, mas os bons. Lembrem-se de que foi durante a terrível gripe espanhola que Jacinta e Francisco, os dois pastorinhos de Fátima, morreram em condições bastante terríveis, oferecendo suas vidas pela conversão dos pecadores. Eis uma lei que durará até o fim dos tempos: o bom Deus precisa de vítimas, vítimas que expiem em união com Aquele que é vítima por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo. No Evangelho, os apóstolos questionam Jesus acerca de um massacre que se deu no templo de Jerusalém: os galileus vieram rezar, oferecer o sacrifício e, nessa ocasião, Pôncio Pilatos os massacrou. Isso intrigou os Apóstolos e os discípulos de Jesus: “Como santos que oferecem o sacrifício são massacrados? Que pecado eles cometeram para Deus castigá-los dessa maneira?”

Da mesma forma, os Apóstolos interrogaram Jesus: houve uma catástrofe em Jerusalém, uma torre desabou, a torre de Siloé, fazendo dezoito mortos, e os apóstolos se fizeram a pergunta. “Que eles fizeram para morrer assim, ao vir em peregrinação a Jerusalém, sendo esmagados assim debaixo de uma torre?” Qual é a resposta de Nosso Senhor? Disse Ele: “Vós julgais que aqueles galileus eram maiores pecadores que todos os outros galileus, por terem padecido tanto? Não, eu vo-lo digo; se não fizerdes penitência, todos perecereis do mesmo modo”. É isso que o Senhor diz.

As calamidades são a consequência dos pecados

As calamidades devem nos fazer pensar que, se não fizermos penitência, todos pereceremos. Deus é bom, não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva. As calamidades públicas são frequentemente a conseqüência dos pecados das autoridades públicas. Hoje em dia temos razão de nos inquietar porque, todas as leis más que se multiplicam, todas as violações da lei natural, a apostasia — mesmo na Igreja — que vemos hoje, não podem deixar o bom Deus indiferente. No Antigo Testamento, lemos que os judeus protestavam que Deus não os punia: “Não nos amais, Senhor?” … Eles preferiram o castigo de Deus ao silêncio de Deus, e esse silêncio talvez seja a pior coisa.

Caríssimos fiéis, durante todo o dia, nos aparelhos de televisão, exibe-se os dados sobre doentes e mortos, e é verdadeiramente impressionante. Mas não nos esqueçamos de que, por exemplo, recentemente na Bélgica, em um ano, três mil pessoas submeteram-se a eutanásia, são números oficiais, contam-se crianças entre elas. Não estou falando sobre o número de abortos hoje. Todos esses pecados clamam aos céus. Caríssimos fiéis, devemos pensar sobre isso, devemos fazer penitência: Deus não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva.

O modo tradicional de abordar as epidemias

Caríssimos fiéis, entre os presentes vieram alguns aqui pela primeira vez, eu os conheci nesta semana. São pessoas às quais foi negada a comunhão nas igrejas porque a reivindicaram que fosse da maneira tradicional, na boca, e elas vêm aqui porque querem a comunhão.

Aqui se vê a fraqueza, para dizer o mínimo, dos responsáveis ​​na Igreja, não todos, felizmente. Não há risco maior de espalhar o vírus pela comunhão na boca do que na mão.

Além disso, um bispo — felizmente, ainda há alguns bispos assim nos Estados Unidos — lembrou em uma carta a seus fiéis: “Consultei um comitê de especialistas, médicos, antes de redigir esta carta e eles dizem que a comunhão na boca não representa um perigo maior de propagação”.

A comunhão não é fonte da morte, mas de vida.

Os fiéis têm o direito — como há alguns anos recordou a Santa Sé — de receberem a comunhão na boca. Aqueles que estão em calamidade não são privados dos sacramentos. Portanto, digo-lhes: sintam-se em casa, porque sempre encontrarão aqui a maneira usual e tradicional da Igreja de abordar epidemias. Confie também na medalha milagrosa, use-a, leve-a, é um baluarte contra todas as tentações do diabo.

Daqui a pouco, após a Missa, todos terão a possibilidade de vir à mesa da comunhão para receber a bênção com relíquias que temos, entre outras relíquias, as de São Pio X, São Pio V, do nosso querido Santo Cura d’Ars e de São João Eudes. Também há uma relíquia de São Tomás de Aquino que celebramos hoje. Não são amuletos, mas uma forma de receber a proteção desses santos, viver no cristianismo, suportar a doença e sermos protegidos dela, se essa for a vontade de Deus.

Ser como crianças

Termino dizendo que esta doença tem uma peculiaridade, tal como a vemos hoje: aparentemente, não afeta, ou pelo menos não afeta seriamente, as crianças. Talvez haja um sinal de Deus aí, porque no Evangelho Nosso Senhor nos diz: “Na verdade vos digo que, se vos não converterdes e vos não tornardes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus”. Não entrar no Reino dos Céus é ser condenado, esse é o pior perigo, essa é a pior calamidade.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espirito Santo. Amém.