“…E NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO…”

pater876 — Há pecadores que desejam obter o perdão de seus pecados; confessam-se e fazem penitência, mas não se aplicam como devem, para não recaírem no pecado. São inconseqüentes consigo mesmos, pois choram e se arrependem de seus pecados, para em seguida caírem novamente nos mesmos pecados e assim acumularem motivo para lágrimas futuras. A propósito disto, diz o Senhor em Isaias: (1, 16) Lavai-vos, purificai-vos, tirai de diante de meus olhos a malignidade de vossos pensamentos: deixai de fazer o mal.

É por isso que Cristo, como dissemos, nos ensina, no pedido anterior, a implorar o perdão de nossos pecados e neste, a graça de evitar o pecado dizendo: e não nos deixeis cair em tentação, pois é verdadeiramente a tentação que nos induz ao pecado.

  1. — Neste pedido três questões atraem nossa atenção:
  1. a) Que é a tentação?
  2. b) Como e por quem o homem é tentado?
  3. c) Como se livra da tentação?
  1. — a) Que é a tentação?

Tentar não quer dizer mais do que: por à prova. Assim, tentar o homem, é por à prova sua virtude. A tentação pode ser de duas maneiras, segundo as exigências da virtude humana. Uma, quanto à perfeição da obra e outra, que o homem se guarde de todo o mal. É o que diz o Salmista: (Sl 33, 15) Evita o mal e faze o bem.

A virtude do homem será pois provação, tanto do ponto de vista da excelência de se agir, quanto do seu afastamento do mal.

  1. — Se sois provados para saber, se estais prontos para praticar o bem, como, por exemplo, jejuar, e estais efetivamente prontos para o bem, grande é a vossa virtude.

Deste modo Deus prova o homem, não porque Ele não conhece sua virtude, mas para que assim todos a fiquem conhecendo e o tenham como exemplo. Deste modo Deus tentou Abraão (Gn 22) e Jó. Por isso Deus envia tribulações aos justos; se suportam com paciência, sua virtude é manifesta e progridem na virtude. O Senhor vosso Deus vos tenta, para se fazer manifesto se o amais ou não, dizia Moisés aos Hebreus (Dt 13, 3). Portanto Deus tenta o homem, provocando-o a fazer o bem.

  1. — O segundo modo de tentar a virtude do homem é incitá-lo ao mal. E se o homem resiste fortemente e não consente, sua virtude é grande, mas se ele não resiste, onde está sua virtude?

Deus nunca tenta o homem deste modo, pois nos diz São Tiago: (1, 13): Ninguém, quando é tentado, diga que Deus é que o tenta, pois Ele é incapaz de tentar para o mal. Mas quem tenta o homem é a própria carne, o diabo e o mundo.

  1. — b) Como e por quem é o homem tentado?

A carne tenta o homem de dois modos.

Primeiro, instigando o homem para o mal, pela procura dos gozos carnais, que são sempre ocasião de pecado. Quem permanece nos gozos carnais, negligencia as coisas espirituais. Diz-nos São Tiago: Cada um é tentado por sua própria concupiscência que o arrasta e seduz (Tg 1, 14).

Em segundo lugar, a carne nos tenta, desviando-nos do bem. Pois o espírito, por si mesmo, se deleita sempre com os bens espirituais; mas o peso da carne entrava o espírito. O corpo que se corrompe faz pesada a alma, diz o Livro da Sabedoria (9, 15) e São Paulo escreve aos romanos (7, 22): Pois me deleito na lei de Deus, segundo o homem interior; sinto, porém, nos meus membros outra lei, que repugna à lei de meu espírito e que me prende à lei do pecado, que está em meus membros.

Esta tentação da carne é muito forte porque a carne, nossa inimiga, está ligada a nós. E como disse Boécio: «Nenhuma peste é tão nociva, quanto um inimigo familiar». Por isto é preciso estar vigilante contra a carne. Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. (Mt 26, 41).

  1. — Ora, uma vez a carne dominada, outro inimigo aparece, o diabo, contra quem é enorme nossa luta. Diz-nos São Paulo: (Ef 6, 12) — não temos que lutar contra a carne e o sangue apenas, mas sim contra os principados e potestades, contra os dominadores do mundo das trevas, contra os espíritos de malícia, espalhados pelos ares. Donde é o diabo expressamente chamado o tentador, como nos mostra São Paulo: (1 Ts 3,5): Não vos haja tentado aquele que tenta.

O diabo age astutamente nas tentações. Assim como um general de exército, que sitia uma fortaleza, considera os pontos fracos que quer atacar, o diabo considera onde o homem é mais fraco para aí tentá-lo. E por isso tenta-o nos vícios a que o homem, subjugado pela carne, é mais inclinado, como o vício da ira, da soberba e outros vícios espirituais. Vosso adversário, o demônio, como um leão a rugir anda ao redor de vós, procurando a quem devorar, diz-nos São Pedro. (1 Pd 5, 8).

  1. — O demônio usa de suas táticas em suas tentações. No primeiro momento da tentação não propõe ao homem nada de declaradamente mau, mas alguma coisa que ainda tenha a aparência de um bem. Assim, de início, desvia ligeiramente o homem de sua orientação geral interior, o suficiente para, em seguida, levá-lo facilmente a pecar. Sobre isto escreve o Apóstolo aos Coríntios: (2 Cor 11, 14): O próprio Satanás se transfigura em anjo da luz.

Depois de ter induzido o homem ao pecado, prende-o para não permitir que ele se liberte de suas faltas.

Assim o demônio faz duas coisas: engana o homem e o conserva enganado em seu pecado.

  1. — O mundo por sua vez nos tenta de duas maneiras. Em primeiro lugar, por um desejo desmesurado das coisas temporais. A cupidez é raiz de todos os males, diz o Apóstolo (Tm 6, 10).

Em segundo lugar, o mundo nos incita ao mal por medo das perseguições e dos tiranos. Estamos envolvidos pelas trevas (Jo 37, 19) Pois todos os que quiserem viver piamente em Cristo Jesus sofrerão perseguição, escreve São Paulo (2 Tm 3, 12). E o Senhor recomenda a seus discípulos: (Mt 10, 20) Não temais os que matam o corpo.

  1. — c) Até aqui mostramos o que é a tentação e como o homem é tentado. Vejamos agora como o homem se livra da tentação.

Sobre isso é preciso notar que Cristo nos ensinou não a pedirmos para não sermos tentados, mas para não cairmos em tentação. Com efeito, é vencendo a tentação que o homem merece a coroa da glória. (cf. 1 Cor 9,25); (Pd 5, 4) É por isso que São Tiago (1, 2) declara: Meus irmãos, tende em conta da maior alegria o passardes por diversas tentações. E o Eclesiástico nos adverte: (2, 1): Filho, quando entrares no serviço de Deus… prepara tua alma para a tentação. Diz ainda São Tiago (1, 12) Bem-aventurado o homem que suporta a tentação; porque depois de ser provado, receberá a coroa da vida. Assim Jesus nos ensina a pedir ao Pai para não cairmos em tentação, dando a esta nosso consentimento. Diz-nos São Paulo: (1 Cor 10, 13) Não vos sobreveio nenhuma tentação, que não seja humana. Ser tentado é humano, mas consentir é ter parte com o diabo.

  1. — Poderão objetar: uma vez que o Cristo disse explicitamente: Não nos induzi em tentação, isto é, não nos façais cair em tentação, não se deve deduzir daí, que é o próprio Deus, mais do que o diabo, que nos empurra ativamente para o mal?

Respondo assim:

É pelo fato de permitir o mal e não levantar contra ele obstáculo que Deus, por assim dizer, leva o homem a praticar o mal. Assim Deus será dito induzir o homem em tentação, quando retira dele sua graça, por causa dos inúmeros pecados anteriores deste homem; o que terá por efeito fazer o homem cair em novo e pior pecado. Para ser preservado desse mal, o Salmista pede a Deus em sua prece: (Sl 70, 90): Quando minhas forças faltarem, não me desampares.

Por outro lado, graças ao fervor da caridade, dado por Deus, o homem é ajudado de tal modo que não é induzido em tentação no sentido acima (n° 82, 83). A caridade, por menor que seja, resiste a qualquer pecado. As muitas águas não puderam extinguir a caridade, diz o Cântico dos Cânticos (8, 7).

Assim como Deus nos dirige pela luz da inteligência, também pela inteligência nos mostra as obras que devemos realizar. Segundo Aristóteles, todo pecador é um ignorante. Diz o Senhor (Sl 31, 8): Inteligência te darei e te instruirei neste caminho. E Davi pede esta luz, para bem agir (Sl 12, 4-5): Ilumina meus olhos, para que eu não durma jamais na morte. Para que o meu inimigo não venha a dizer: Eu prevaleci contra ele.

  1. — Esta luz nos vem pelo Dom da Inteligência.

Se recusamos nosso consentimento à tentação, guardamos a pureza de coração santificada por Jesus: (Mt 5, 8): Bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus; e nós chegaremos à visão de Deus.

Que Deus a ela nos conduza efetivamente.

Sermão sobre o Pai Nosso – Santo Tomás de Aquino