MULHER FORTE E A ESMOLA

Resultado de imagem para caridadeManus suam aperuitinopi et palmas suasextendit ad pauperem.

Ela abriu a sua mão ao indigente, e estendeu os braços e as mãos ao pobre.

(Prov., XXXI)

Senhoras.

Explicando os dois antecedentes versículos do livro dos provérbios, sobre a mulher forte, vimos que ela podia gozar do bem que se opera em derredor dela, do bom resultado das suas obras, e deixar expandir o coração no espetáculo da felicidade e da prosperidade de sua família, uma vez que a sua alegria não fosse de orgulho e estivesse contida nos limites da sabedoria: pois o abuso das melhores coisas pode conduzir a alma aos sentimentos do pueril amor-próprio e da triste vaidade, que, de tal forma são comuns entre os homens, que até, muitas vezes, senão sabe que conselhos se lhes hão de dar.

Se alguém os empenha a rejubilarem-se em Deus, e rejubilarem-se com tudo quanto pode ser bom na vida, porque a vista do bem dilata e anima, deixam-se cair no ridículo e na desorientação de uma miserável vaidade; se, no contrário, alguém comprime ao mesmo tempo, a mola do louvor e da justa apreciação das coisas, e se detém assim a legítima satisfação que pertence necessariamente à virtude, segundo a doutrina de São Tomás, a alma estiola-se, e expõe-se a perder toda a energia, e toda a atividade para o bem.

Recomendamos em seguida, uma grandíssima reserva na manifestação do bem e da alegria. Pondo mesmo de parte os princípios da humildade, o orgulho, a inveja, a vaidade magoada e os pequenos amores-próprios, que nos rodeiam sempre, como pequenas serpentes, deveriam empenhar-nos a viver na obscuridade, a ocultar a nossa ventura, o nosso engrandecimento, e a passar neste mundo, tanto quanto possível, como o regalo sob a folhagem.

Depois de ter dado um sentido anagógico ao outro versículo: “A sua luz não se apagará nas trevas”; depois de tê-lo aplicado às mulheres admiráveis, que conservam sempre no seu espírito e no seu coração a alampada dos santos desejos, dos nobres pensamentos, dissemos, com a Escritura, quanto era necessário à mulher o pôr a mão nas coisas fortes, o armar-se de coragem, e lutar energicamente contra as dificuldades da vida. Afinal, a propósito do fuso que gira entre as mãos da mulher forte, ajuntamos que ele representava a vida, e que a nossa existência era feliz ou desventurosa, segundo a qualidade da lã que fiávamos.

O versículo seguinte pode traduzir-se, conformando-nos com o original: – A mulher forte abriu a sua mão ao indigente, e estendeu os seus braços e as suas mãos ao pobre. Não vou hoje fazer um tratado a respeito da esmola: tal assunto levar-nos-ia muito longe, além de que talvez o desenvolvamos qualquer dia. Vou, sobretudo, encarar a esmola, nas suas relações com a mulher forte e com o fim da nossa associação.

Recordemos primeiro que há uma obrigação severa e rigorosa de dar esmolas, cada um segundo as suas posses, já se vê. Há para o rico – e a maior parte da gente tem a riqueza relativa que permite dar alguma coisa – há para o rico um expresso mandamento de dar, ao menos uma parte do seu supérfluo, ao pobre. O rico não é aos olhos da fé, um proprietário dos seus bens, por tal forma independente, que possa gastá-los e abusar deles à sua vontade: o rico é, perante a justiça de Deus, uma espécie de usufrutuário que tem de dar contas ao primeiro Senhor do universo, do emprego dos seus tesouros; e um dos principais empregos, depois do uso conveniente e determinado pela sabedoria, é o de derramar o que transborda da sua fortuna, no seio dos pobres. Mas – e insistimos sobre este ponto porque separa o ensino católico das doutrinas subversivas de toda a sociedade – o pobre esquecido não tem o direito de fazer justiça por suas mãos: o rico, para o cumprimento do preceito da esmola, não é réu do tribunal da revolução, pois só Deus tem o direito de se constituir em vingador do pobre desamparado.

Esta admirável doutrina conserva a esmola o seu mais belo caráter, que é a espontaneidade; e, todavia, em toda a parte há operado prodígios de caridade. Segui outros princípios, que não estes, e caíres necessariamente nos insondáveis abismos das teorias socialistas.

Agradecei, senhoras, a divina Providência, que vos ajuntou num grêmio de caridade, e vos deu assim o meio de mais facilmente praticardes um dever, que cumpre a todos os cristãos. Quando se está só, isolado, sem estimulante exterior, acaba-se por se dormir sobre as respectivas obrigações; esquece-se, é se indiferente; desliza-se, sem se pensar, num declive insensível, e chega-se ao sono mais completo.

Tal mulher daria a esmola, porque é bondosa, porque é cristã, porque é naturalmente misericordiosa, mas nem nisso pensa. Retirada na sua vida intima encontra menos facilmente as ocasiões; raramente lhe é lembrada esta obrigação; atrofia-se-lhe o sentimento de caridade; torna-se áspera para os pobres, não por sistema, mas por hábito. Parece-me, ao contrário, senhoras, que as vossas reuniões mensais, que as vossas assembléias particulares, que a visita ao pobre e o conjunto da vossa organização, são um discurso vivo, que vos recorda um dos principais deveres: é o despertar da alma indolente e preguiçosa; é a súplica do pobre; é o seu grito de agonia que se vos faz ouvir sob todas as formas.

É, pois, uma benção especial de Deus, o ter-vos chamado a fazer parte duma obra de caridade, porque reunindo vossos pensamentos e esforços, Ele deu-lhes uma força e uma solidez que nunca se encontra no isolamento. É uma benção de Deus, porque a graça do céu é permitida a reunião de duas ou três pessoas, quando se faz em nome de Cristo: e, sob esta relação, não temos a dirigir a Providência senão ações de graças. A nossa obra foi além de todas as esperanças, desenvolveu-se dum modo admirável, pela quantidade e pela qualidade dos membros; e hoje se não é sobre dois ou três que o olhar de Deus se detém com complacência, é sobre uma assembléia tão numerosa, como escolhida.

Há, pois, sob esta relação, uma verdadeira benção do céu; mas não é também uma benção do céu, o tocante espetáculo das almas piedosas que se reúnem para ouvirem missa, para escutarem a palavra de Deus, e conversarem juntos nos meios a tomar para fazerem e aperfeiçoarem o bem? Sim, senhoras, digo-o com toda a certeza: foi-vos concedida a graça de Deus, e deveis em reconhecimento, e com receio dum abuso que seria altamente culpável, deveis aproveitá-la para reanimardes o vosso zelo e a vossa caridade para com os pobres.

A mulher abriu a sua mão ao indigente, e estendeu os braços e as mãos ao pobre.”

Tendes feito pelo pobre e pela nossa associação tudo quanto podeis? Não julgueis que vos venho assustar com obrigações desconhecidas. Começai por tomardes das vossas rendas tudo quanto é necessário e seriamente útil, não só as necessidades absolutas, mas a prosperidade e decoro de vossa casa. Tendes na sociedade a classe que deveis ocupar, e guardai-a com tanta conveniência como amenidade; nestas concessões, creio ser tão largo, como o reclamam a vossa posição, a reputação de vossas famílias, e o futuro de vossos filhos. Mas, uma vez feitas estas concessões, retomemos a nossa questão: – Tendes feito pelos pobres e pela nossa associação tudo quanto podeis?

Primeiro em socorro materiais: a nossa quota é pequeníssima; não foi o máximo o que nós quisemos estabelecer, foi o mínimo para nos pôr-mos ao alcance de todas as bolsas, foi um mínimo, que se pode exceder, e que sempre nos será grato ver excedido. Não poderíeis fazer mais, e se o podíeis porque o não fizesteis? Se pretendeis que a vossa esmola seja desconhecida, há mil meios de conservardes o benefício do anônimo e a felicidade de só serdes conhecidas de Deus.

Fora de nossa instituição, procurais, segundo os vossos meios, acudir as mil formas de miséria? Direis talvez: – Eu não posso; este sacrifício é impossível, porque arruinaria sucessivamente a minha família e os meus filhos. Se há impossibilidade real, não insistirei, e retiro a minha interrogação. Mas tendes a certeza de que não podeis? Quereis permitir-me que eu visite convosco o vosso guarda-vestidos? Não recearei, segundo o método dos Santos Padres, nas suas instruções familiares, descer a minuciosidades, que podem parecer exageradas, mas que têm a inapreciável vantagem de entrarem no âmago da questão.

Que coleção de coisas sem serventia! Quantas dúzias de vestidos, de chalés, de chapéus, e de tantos outros objetos, de que tantos outros objetos, de que nunca soube os nomes! Dizei-me com toda a sinceridade se não serieis tão bem adornadas, tão convenientemente vestidas; se a vossa aparição na sociedade não seria tão razoavelmente brilhante, depois de terdes cortado, ao menos, metade dessa coleção de coisas empilhadas? Quem, durante a sua vida, não ouviu uma ou várias histórias de mulheres ricas, e que, no entanto não têm nada? Perdão, engano-me; têm uma multidão de contas a pagarem nas lojas de todos os fornecedores da cidade. Essas têm a mania de comprarem continuamente objetos novos, chapéus, vestidos, chalés e calçado; a derradeira moda é sempre a melhor. Possuem um número fabuloso de armários; e, uma vez comprado o objeto, servem-se dele, quando muito em duas ou três ocasiões, abrem depois um dos seus móveis, e nele depõem o objeto condenado a não mais ver o dia. Chegam assim a elevarem grandes montes de roupa, e se alguma vez são obrigadas a mudar, o público pode pôr-se as janelas para ver desfilar o cortejo.

Não carrego a narração, senhoras; historio apenas… – Obrigadas! Direis, mas isso é uma monomania, graças a Deus! Ser-me-á permitido responder que há diversos graus de febre? Pois muito bem, e, com franqueza, não tereis um pouco desta monomania, não proximamente no mesmo grau, não até ao ridículo exterior?

Em verdade calculai todos os objetos de luxo do vosso uso, percorrei os vossos aposentos e armários: quantas coisas sem serventia absolutamente de qualidade alguma! Pois eu não chamo qualquer coisa ao capricho de um momento, a desarrazoada fantasia de uma imaginação sempre em busca de novas modas, sempre engenhosa, em se criar pretendidas necessidades, e que nunca soube conter-se nos limites da razão, da sabedoria e de uma honrosíssima representação…

Deixemos, porém, o passado; faço-vos uma súplica para o futuro, e faço-a em nome de Nosso Senhor, em nome dos pobres, em nome dos vossos mais caros interesses e dos da vossa família. Cortai do orçamento das vossas despesas todos os objetos verdadeiramente inúteis, imponde este sacrifício as exigências da vossa fantasia. Sede severas neste ponto, pois, certificai-vos antecipadamente, os pretextos não vos faltarão. Quantas vezes a imaginação vos dirá, ao entrardes duma loja: – Como este vestido me ficaria bem! Que magnífico efeito produziria! E este chapéu! Como está elegantemente fabricado, com a mais delicada combinação nas cores! Como eu o aproveitaria bem nos dias festivos! E este móvel! Se eu o comprasse para adornar os meus aposentos!…

Lamentarei os pobres, a bolsa de vosso marido e a vossa própria ilusão, se escutardes a voz de tal sereia. Julgais que sereis mais felizes depois da aquisição de quanto cobiçastes; enganai-vos e talvez que a experiência vos tenha ensinado já a este respeito. Não; não sereis mais felizes; mal vestireis o vestido, ou deposto o móvel na vossa câmara, já todo o prestígio terá desaparecido, toda a frescura da aquisição será murcha: ficar-vos-á o vácuo no coração, e talvez, se sois seriamente cristãs, o aguilhão de remorso. O remorso! Pois não é verdade que muitas mulheres trazem sobre si, em objetos perfeitamente inúteis a conveniência do seu estado, e até ao esplendor da sua posição, o que bastaria para sustento de um grande número de famílias, que morrem de fome? Quando as coisas chegam a este ponto, é certo, aos olhos da razão e da fé, que a dor dos desgraçados é um grito de vingança, contra os que cometem semelhantes excessos.

Tendes ouvido falar das catástrofes violentas, que transforma as fortunas mais sólidas, ou dos íntimos pesares que atingem as mais belas posições e crucificam as almas, num doloroso calvário, no meio de todas as magnificências de uma brilhante posição. Não sabeis como explicar sucessos tão imprevistos, quando a verdadeira explicação está na doutrina que desenvolvo neste momento. Havia talvez nessas famílias os excessos de gozo e de bem-estar que igualavam as do paganismo; havia na mesa e nos aposentos suntuosidades quase orientais, enquanto que na rua passavam, arrastando-se, os pobres, famintos e nus, sem vestidos e sem alimentos: Et epulabaturquotidiesplendide, et erat quidammendicus, nomine Lazarus (Luc. XVI.)

Deus sofreu por muito tempo, mas uma hora foi chegada em que a Sua justiça desbordou; vibrou golpes que são um ensino para todos. E quando não fere sobre a terra, é isso, muitas vezes, a prova de que a Sua cólera chegou aos últimos limites, e de que reserva para o crime outros castigos, de que os da terra apenas são uma tênue sombra; pois quando Deus pune neste mundo, é sempre com a idéia oculta de misericórdia.

Que ventura, ao contrário, no sacrifício que se faz em favor do pobre! E não me refiro somente ao sacrifício real; trata-se. Em muitas circunstâncias, de um sacrifício de fantasia. Renunciasteis ao vosso desejo, aparasteis as asas à curiosidade feminina, que quer, não somente ver, senão ta,bem possuir tudo quanto vê. Não é desta curiosidade que se poderiam dizer também estas palavras da Bíblia: – “Ela nunca saciou os seus olhos nem os seus gozos”; ou: – “Irei e nada me recusarei de quanto possa agradar-me: – Vadam et affluamdeliciis et fruarbonis.” (Eccl. II)

Tivesteis a coragem do renunciamento, e em lugar de satisfazerdes um capricho, consagrasteis a soma dele a uma boa ação, e, sobretudo, ao alívio dos pobres. Deveis julgar-vos mil vezes felizes: cumpristeis um preceito, e tanto basta para a vossa dita. Vede, porém, como o Senhor combinou tudo de um modo maravilhoso: fizesteis bem aos pobres; é uma recordação que se vos grava no coração e que vos perfuma a existência. Nunca a posse de um objeto de fantasia, nunca o achado e o uso de um vestido de cores brilhantes vos produzirão tais alegrias, essa paz, essa doce e profunda emoção, que dá a lembrança de um pobre socorrido.

Eu agradeço a Deus por ter estabelecido esta lei, por ter avaliado a grandeza da nossa alma, permitindo-lhe que não encontre verdadeira satisfação nos brinquinhos de luxo e da vaidade. Agradeço-Lhe o ter estabelecido esta lei, de que nunca a nossa alma desça aos lugares inferiores, para ali procurar um gozo culpado, sem encontrar pontas acirradas, amarguras e dores purgentíssimas; agradeço-Lho, porque tais martírios são, muitas vezes, necessários, para fazerem elevar a alma humana, e lhe fazerem deparar com o lugar que nunca deveria ter deixado.

Tendes feito bem aos pobres! – Sabeis a transformação que se opera? Não é para com os míseros, é para convosco que sois misericordiosas. O óbolo lançado no seio do pobre, é dinheiro emprestado a elevados juros, dinheiro que produzirá centuplicadamente, e vos fará a vós e à vossa família, dignas das graças abundantíssimas. Deus é tão generoso, que quando se dá, em Seu nome, esmola a um pobre, não pretende que seja gratuitamente: constitui-se imediatamente em caução dEle, em Seu fiador, e manda aos anjos do céu que tomem nota da soma dada, e que registrem o capital com os juros da taxa mais subida.

Um dia, no céu, espantar-nos-emos de encontrarmos numerosos tesouros que se amontoarão, cuja base primitiva terá sido uma pequena esmola dada com muito amor, do mesmo modo que uma pequena esfera de neve, se torna, nas altas montanhas o centro de uma imensa avalanche que cobre os prados. Sabeis por que certa casa prospera? Examinai-a de perto, e vereis a sombra de uma mulher piedosa que, oculta na penumbra da humildade, pratica o bem, convertendo-se no fundamento em que assenta a felicidade da sua família. Deus, na nova lei, não ligou à observação dos preceitos a ventura temporal como fim e recompensa principal; mas, entretanto, segundo dizem os doutores da Igreja, a dita, acompanha ordinariamente neste mundo a virtude sabiamente regulada. (S. Tomás, In Epístola I ad Corinthios)

Não só a felicidade, mas a prosperidade material e o aumento da fortuna são uma das conseqüências da esmola; parece uma contradição, e, todavia, é uma verdade experimentada. Quanto mais água se tira de um poço, em certos limites, tanto mais abundante ele é; o mesmo acontece, não sei por que mistério da ordem moral, com a esmola lançada no regaço do pobre, que se torna para as famílias uma fonte de prosperidade e de engrandecimento. Dir-se-ia que a esmola é como a água que o sol levanta de antemão sobre os rios e os marasmos; parece que é um desfalque que o astro do dia lhes faz sofrer, e é precisamente o contrário: – a água sobe, transforma-se em nuvens, e desce mais pura e mais fresca. Experimentai, senhoras, e não vos ficará dúvida alguma a este respeito.

Pelo contrário, quantas catástrofes nas fortunas, que foram lentamente reconstruídas com as durezas para os pobres? E quando a catástrofe exterior não existe, operam-se ocultamente espantosos mistérios de justiça. O Senhor tira a certos ricos o sentido da verdadeira ventura, crucifica-os sobre os seus tesouros, flagelá-os com cada objeto que parecem possuir; impõe às rosas dos seus jardins que brotem espinhos para os ferirem, e tudo quanto os devia tornar felizes, converte-se para eles numa fonte de agonias e cruéis decepções.

Mas Deus – diz a Escritura – ouve o grito do pobre.” (Os. IX, 13); e que pede o soluço do mísero, senão a felicidade do que se lhe mostrou generoso? A súplica do pobre, quando roga pelo seu benfeitor, o ai de uma alma desgraçada a quem se prestou um serviço, são para mim de uma extrema confiança, e não vos ocultarei, que uma das grandes alegrias da minha vida pastoral, desde que tomei posse da diocese, foi esta: ou recebi, há meses, um bilhete de uma pobre rapariga doente, que outrora confirmei, no seu leito de dor; tinha andado a pé alguns centos de metros para a visitar, e cito estaminuciosidade, porque naquela alma tudo se havia convertido em assunto de reconhecimento. Escrevia-me algumas palavras simples e comoventes para me agradecer e terminava, pouco mais ou menos assim: – “Há cinco anos que se não tem passado um único dia sem que tenha orado por vós.”

Esta singela frase fez-me melhor que o melhor presente que a bondosa rapariga me pudesse mandar. Pois bem, senhoras; vós podeis granjear consolações desta natureza; podeis adquiri-las todos os dias, pois tenho a certeza de que de vários leitos de dor, de vários casebres obscuros, se levanta, para vós e vossas famílias, um grito agudo, que vos obtém as graças mais preciosas, que vos afasta de gravíssimos perigos, assegurando-vos o vosso futuro e o futuro de vossos filhos. O Senhor está empenhado nisso e deu a Sua palavra: “Deus – diz o sábio- escutará a súplica do pobre” (Eccl. IV, 6); e além disto, o salmista ajunta, que o Senhor atenderá “o seu simples desejo”; desideriumpauperumexaudivit Dominus. (Ps., X,17).

A esmola não é, pois, na realidade, mais que um empréstimo feito a Deus na pessoa do pobre, um empréstimo de usura, cujo juro centuplica o capital, começando a pagar-se neste mundo. Depois destas considerações gerais sobre a esmola, volvo ao estudo mais especial do nosso texto: – “A mulher forte abriu a sua mão ao indigente e estendeu as suas mãos e os braços ao pobre.”

A maneira mais verdadeira de praticar isto, é a visita ao pobre, como vos impõe o vosso regulamento: só assim podereis dizer em toda a verdade que estendeis as mãos ao pobre: Palmas suas extendit ad pauperem. A visita aos necessitados é um dos alvos principais da nossa associação; e é feita por vós, regularmente? Se realmente tendes ocupações incompatíveis com esta visita, não insisto; mas são altamente sérios os motivos? Não é antes uma certa preguiça, ou, se gostais mais, uma certa timidez de caráter que não se apraz em experimentar o que ignora? Não é receio do deslocamento? O medo de algum sacrifício?

Longe estou de supor que a visita aos pobres não tenha os seus enfados para a natureza; deveis encontrar coisas e pessoas, às vezes pouco amáveis; deveis achar-vos em face de desordens capazes de vos afastarem, e que sei eu? Talvez palavras pungentes e processos injuriosos como recompensa dos vossos serviços. Mas não é necessário sofrer por Nosso Senhor? Não é necessário sofrer, fazendo bem? Assim tem-se mais mérito, e a recompensa será mais formosa. Não é o calvário a montanha do cristão, e não vale mais subi-la, sofrendo pela justiça? Encontrareis, sem dúvida, almas reconhecedoras, que vos agradecerão; encontrareis, e tenho a certeza de que já tendes encontrado, belas almas, e delicados corações, sob uma casca, às vezes, um pouco verde.

O coração humano tem fibras, em que bem sempre se toca em vão; e, entre essas, ponhamos em primeiro lugar, o reconhecimento e a recordação dos benefícios. Essas flores da alma não brotam talvez no momento em que quereríamos colhê-las; encontrareis naturezas em que o botão parece morto, e que, a uma certa hora, vos espantará, com o seu imprevisto desabrochamento.

A vista do pobre terá uma grande vantagem; far-vos-á ver, de perto, a dor, mas a verdadeira dor… Muitas vezes queixais-vos, de coisas que alegrariam o coração do necessitado, e outras, a causa dos vossos sofrimentos é, ao menos em parte, na imaginação, nas chimeras do espírito, ou ainda na abundância de uma posição, que vos torna mais que exigentes. Ide ver o verdadeiro martírio, ide contemplar o pobre e o enfermo no seu obscuro casebre, ide visitar as míseras mulheres, cuja vida é um tormento lentíssimo, e cuja nudez externa é zero em comparação das privações do coração. Ide ver esse espetáculo, e voltareis quase envergonhadas de vós mesmas, voltareis fortes, generosas, e dispostas a levardes a vossa cruz com varonil coragem. Seria isto uma imensa vantagem, quando a visita aos pobres não produzisse outras.

Tende ido muitas vezes a espetáculos aonde a entrada é caríssima, para não trazerdes senão o aborrecimento, o vácuo e um desgosto mais profundo do vosso intimo. O espetáculo da virtude pobre e cansada, em luta com a enfermidade e a indigência, ligar-vos-á, mais fortemente a todos os vossos deveres, e dar-vos-á uma dupla consolação, a consolação do coração que lenitiva, e a do coração que compara: pois mais vale – diz o Espírito Santo – ir a uma casa de luto, que a uma casa de alegria. (Ecles. VII,3).

A primeira deixa uma impressão de salubridade moral, a segunda, ou um peso ou um vácuo no coração, quando não vem o remorso fazer-vos pagar mais caro ainda os prazeres doentios! Suplico-o, senhoras, e dirijo-me a todas as de entre vós, que o podem, retomai a visita aos pobres, se a abandonasteis, ou se ainda a não praticasteis ide hoje mesmo dar o vosso nome e fazer-vos inscrever na lista das damas visitadoras. Suplico – vo-lo do modo mais instante, e não podereis granjear, seguindo este conselho, maior prazer para o coração do vosso pastor. A visita aos pobres é um dos cunhos especiais da nossa associação, e trabalho para lho conservar religiosamente. Indo ver os pobres aos seus domicílios, fareis um bem que não operareis nunca, ainda mesmo dando dinheiro, que pessoas estranhas levarão, e ainda mesmo que a quantia seja muito considerável. Vereis o necessitado e a vossa presença o animará; falar-vos-ei afetuosamente, e as vossas boas palavras ser-lhe-ão ainda mais agradáveis e mais úteis do que a vossa esmola, ou, pelo menos, juntas ao socorro material, tornar-lhe-ão muito maior o poder.

A mulher, quando quer, tem a delicadeza da atenção, a previdência de processos, a doçura das palavras que serena os males e aumenta a força e a paciência. É na visita aos pobres, sobretudo, que ela pode ser a mensageira das boas novas: pode vibrar palavras com a santa destreza da caridade; pode dizer uma palavra, uma única, mas dizê-la com esse tom, com esse assento, com essa forma graciosa, que só pertencem à sua natureza; pode proferir uma palavra e eis talvez uma alma quase convertida, eis, pelo menos, o gérmen de uma conversão próxima – “Os pés dos santos, podem grandes coisas, quando visitam as casas – diz São Crisóstomo – santificam o pavimento que tocam, levam tesouros consigo, corrigem as naturezas viciadas, e expulsam a miséria corporal”. (Ecclog. De Eleemosyn. T. XII)

Visitai os pobres, senhoras; e não vos contenteis convosco nas semanas em que o não fizerdes: não sabeis o bem que operareis, porque se o supusésseis, ouso acreditar, que, exceto as que estão na impossibilidade de o fazerem, todas daríeis o vosso nome para a visita a Nosso Senhor, nas pessoas dos Seus pobres. É, sobretudo nestas visitas que “abrireis a vossa mão e o vosso coração, e que as estendereis ao indigente.”

Numa recente viagem vi representada como símbolo de um dos mais belos vales dos Períneos, uma mulher de elegante estatura, que semeava flores na sua passagem. Que seja também assim o símbolo da vossa vida: semeai a esmola, semeai os benefícios, semeai as boas palavras e os bons conselhos na vossa passagem; que vossas mãos e vosso coração estejam sempre abertas; quando vos faltar o dinheiro, daí a moeda do coração, pois diga-se o que se disser nesta época de materialismo, esta moeda tem o seu valor, é ainda mais preciosa que a outra: mão a substitui completamente, mas deve acompanhá-la sempre; e quando os limites impostos à melhor vontade já não permitam dar a esmola em dinheiro, a mulher forte acha, na bolsa inesgotável do seu coração, recursos desconhecidos, prodigaliza-os com toda a ternura da caridade, e assim é sempre verdade o dizer-se dela:

– Abriu a sua mão ao indigente, e estendeu os braços e as mãos ao pobre: Manus suam aperuitinopi et palmas suas extendit ad pauperem.” (Prov., XXXI)

A Mulher Forte – Mons. Landriot