O DESEJO: NECESSIDADE INSTINTIVA, ASPIRAÇÃO RAZOÁVEL, IMPULSO SOBRENATURAL

La porte

Os movimentos de nossa alma são de origem e natureza muito diferentes e podem nos levar a direções opostas.

Fonte: Le Parvis n ° 115 – Tradução: Dominus Est

Durante o período do Advento, a Igreja inflama o coração dos seus filhos para prepará-los à nova vinda do Messias: já presente na nossa alma pela sua graça, Jesus Cristo vem reinar mais a cada dia, fazendo desaparecer os restos do pecado graças às obras de penitência. A liturgia, portanto, inspira-nos os desejos mais ardentes e os esforços mais generosos, recordando-nos as disposições ideais dos Patriarcas, na expetativa do advento histórico do Salvador.

Nesta ocasião, é importante discernir os movimentos de nossa alma que são de origem e naturezas muito diferentes e podem nos conduzir em direções opostas. Que possamos, portanto, recordar noções elementares, mas também esclarecedoras, para uma jornada de sucesso em direção ao Natal e receber todas as bênçãos celestiais ligadas a esta grande festa.

Necessidade instintiva

Tal como os animais, o corpo humano expressa suas necessidades através de impulsos espontâneos que já se manifestam nos recém-nascidos: com efeito, desde o nascimento, a pequena criança sabe como tornar conhecida a sua necessidade de comida, sono, etc., através de gestos ou choros: estas são necessidades instintivas, naturais e completamente normais. Repetimos que esse fenômeno pode ser observado tanto nos humanos quanto nos animais, mas não é experimentada da mesma forma por um e por outro. O instinto no animal regula-se de forma física, mecânica e automática de tal forma que os seus desejos não correm o risco de serem provocados em excesso ou de haver consequências nefastas e infelizes. Nos seres humanos, ao contrário, os desejos podem tornar-se caprichosos e desordenados: a criança, portanto, precisa de educação para aprender a se controlar e, mesmo quando adulto, o homem deve impor-se uma certa disciplina de vida para evitar os abusos no uso de seu corpo e preservar sua dignidade. Eis porque a penitência frequentemente se torna indispensável para corrigir as tendências depravadas e maus hábitos que nos levam a cair em faltas quase inevitáveis ​​pelo pecado original, mesmo depois de receber o batismo.

O tempo do Advento é, antes de mais nada, um período de purificação e reordenação em nossa vida sensível e corporal, a fim de recuperar a bela harmonia que nossos primeiros pais desfrutaram inicialmente através do dom da “integridade”.

Aspirações razoáveis

Dotado de um espírito porque foi criado à imagem de Deus, o homem é semelhante aos anjos e, a esse respeito, não tem mais nenhum ponto em comum com os animais, dos quais se distingue radicalmente. O homem é, portanto, chamado a viver razoavelmente, isto é, em conformidade com as leis de seu espírito e no exercício de suas duas faculdades de inteligência e vontade. A “consciência” humana não é outra senão a voz de Deus em sua alma espiritual que lhe manifesta Sua vontade e o encoraja a se submeter aos Seus mandamentos: o que é chamado de “lei natural“, gravada no coração de cada homem, mesmo naqueles que não receberam nenhuma revelação ou pregação sobre religião. Por vezes nos surpreendemos ao encontrar, ainda hoje, “pagãos”, isto é, almas sem qualquer cultura ou prática religiosa que, no entanto, mantêm uma vida relativamente sã, mostrando uma certa retidão moral pelo simples fato de observar corajosamente as regras elementares de sua consciência. Estas almas de boa vontade procuram sinceramente fazer o bem e evitar o mal tanto na sua vida privada como nas suas relações sociais e nas suas atividades quotidianas: trata-se, de fato, de “aspirações racionais” muito nobres e meritórias que podem conduzir ao “batismo de desejo“. Tais exemplos manifestam o poder de uma consciência justa e suas nobres disposições, tal como o Bom Deus oferece a possibilidade, a cada homem, de seu plano de salvação, sem exceção.

Para os cristãos, o tempo do Advento consiste também em examinar o seu profundo estado de espírito para verificar a autenticidade da sua devoção: que valor poderiam ter as práticas de piedade, mesmo numerosas e contínuas, que acompanhariam e esconderiam graves violações do primeiros deveres e apelos de consciência?

Impulsos sobrenaturais

Acabamos de ver que a superioridade do homem consiste, em primeiro lugar, em sua natureza de criatura racional capaz de conhecer a Deus, de amá-Lo e de servi-Lo. Mas muito mais do que isso, a dignidade do homem deve ser reconhecida em seu destino como filho de Deus, chamado a compartilhar sua própria felicidade e glória. Com as prerrogativas do batismo, o cristão é dotado de todo um organismo sobrenatural de virtudes e dons que lhe permitem tender para esta bem-aventurança infinita. Toda a religião com seus dogmas, preceitos e culto foi elevada a esse nível, que coloca uma distância infinita entre a natureza e a graça. Para o homem não se trata mais de respeitar apenas as leis de sua consciência, mas de entrar no mistério trinitário: no Evangelho, Jesus nos convida a desejar ser “perfeitos como o Pai Celestial é perfeito“.

Durante o Advento, a liturgia da Igreja eleva as nossas almas, recordando a sua sublime vocação e inspirando os desejos correspondentes. O cristão não tem o direito de recusar a deixar-se invadir e dominar pelas preocupações terrenas: a graça o convida incessantemente a colocar o seu coração e o seu tesouro nas realidades divinas “terrena despicere et amare caelestia“.

O profeta Daniel agradou a Deus, especialmente, como um “homem de desejo” (Daniel 9, 23). É exatamente este o programa que nos é proposto durante o tempo do Advento: santificar-nos pelo valor dos nossos desejos (re) ordenando os desejos instintivos da nossa sensibilidade, cumprindo as aspirações racionais da nossa alma e seguindo o sobrenatural impulsos de graça.

Pe. Pierre-Marie Laurençon, FSSPX