O MODERNISMO DO PAPA JOÃO PAULO II – PARTE 3/3 – A REDENÇÃO EM JOÃO PAULO II

Padre Pio profetizou que Karol Wojtyla seria Papa | São Pio de Pietrelcina

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Pe. Patrick de la Rocque, FSSPX

A falsa concepção de universalidade da Redenção

Quanto às deformações que o modernismo traz ao dogma da Redenção, pensamos primeiro na falsa concepção que se tem da sua universalidade. Com efeito, para João Paulo II a Redenção realizada por Cristo é universal não somente no sentido de que ela é superabundante para todo o gênero humano e que ela é proposta a cada um de seus membros em particular, mas também porque ela é aplicada de fato a todos os homens tomados individualmente. Se, portanto, por um lado “em Cristo a religião deixa de ser um «procurar Deus como que às apalpadelas» (cf. Atos 17, 27), para se tornar resposta de fé a Deus que Se revela: […] resposta feita possível por aquele Homem único […] e cada homem se torna capaz de responder a Deus”, pelo outro o Papa acrescenta que “nesse Homem responde a Deus a criação inteira”[25]. Esta última expressão merece esclarecimentos. Ela poderia ser entendida de maneira católica se por criação se entendesse o ser humano, um resumo da criação, acrescentando que por criação inteira entendemos cada homem, não no sentido de cada homem em particular, mas de qualquer tipo de homem[26]. Ora, não é essa a interpretação de João Paulo II. Para ele, são todos os homens, ou seja, cada um em particular, que estão unidos a Cristo pelo mistério da Redenção. Ele afirmou isso claramente quando se dirigiu aos povos pagãos: “E no Espírito Santo, cada indivíduo, cada povo tornou-se – através da Cruz e da Ressurreição de Cristo – filho de Deus, participante da vida divina e herdeiro da vida eterna[27].

Não insistirei aqui neste erro, que me pareceu mais sensato vincular à concepção que João Paulo II tinha da Encarnação. Conforme vimos, é nessa concepção que, segundo o Papa Wojtyla, todos os homens estão incluídos de maneira eficaz: “o homem – todos e cada um dos homens, sem exceção alguma – foi remido por Cristo; e porque com o homem – cada homem, sem exceção alguma – Cristo de algum modo se uniu, mesmo quando tal homem disso não se acha consciente”[28]. Desde esse ponto de vista, a Paixão e a Ressureição de Cristo não trouxeram nada de fundamentalmente novo. Eu destacaria apenas que essa concepção universalista de Redenção não decorre de um mal-entendido ou de uma interpretação injustificada do pensamento de João Paulo II. Ela é admitida por todos, a começar pelos seríssimos membros da Comissão Teológica Internacional, que declaravam em um de seus documentos escritos a pedido de João Paulo II: “Por causa das ações divinas da Encarnação redentora, todos os homens são dotados da dignidade de filhos adotivos de Deus; assim, tornam-se sujeitos e beneficiários da justiça e do supremo ágape”[29].

A Redenção como simples revelação

Há uma outra deformação do dogma da Redenção, mais específica, que me parece importante ressaltar, porque ela concerne à própria natureza do dogma. Na concepção Wojtyliana, a Redenção se reduz à revelação última do amor de Deus por nós. Se realmente admite-se que o homem, pela presença divina que habita nas profundezas de sua consciência, possui em si mesmo a capacidade de ir a Deus, então não há mais necessidade de ser resgatado no sentido estrito do termo. O entendimento que a teologia católica tinha até então por satisfação vicária de Cristo é todo ele rejeitado categoricamente.

A partir de então, a morte de Cristo e sua ressureição são somente um testemunho do amor de Deus pelo homem: “No caminho da eterna eleição do homem para a dignidade de filho adotivo de Deus, ergue-se na história a cruz de Cristo, Filho unigênito, que […] veio para dar o último testemunho da admirável aliança de Deus com a humanidade, de Deus com o homem: com todos e com cada um dos homens”[31]. Esse testemunho seria dito último no sentido de que ele manifesta que nada pode deter essa aliança com Deus, nem mesmo o pecado: “Se Deus enviou seu Filho para abrir de novo as portas da salvação a todos, é certamente porque Ele não mudou sua atitude em relação a nós. […] A vinda do Filho unigênito de Deus no coração da história humana revela que Deus pretende buscar a realização do seu projeto, apesar dos obstáculos”[32]. Dito de outra maneira, se a concepção católica ensinava que a morte expiatória de Cristo destruiu o obstáculo real à união de Deus, que é o pecado, o modernista afirma por sua vez que, em sua morte, Cristo simplesmente revelou que os obstáculos à salvação não são obstáculos, mesmo que o homem tenha acreditado nisso! Nesse sentido, a Redenção trazida por Cristo é não somente universal, mas também definitiva. Nada mais pode comprometê-la, visto que nem mesmo o pecado pode contradizê-la. Daí a afirmação de João Paulo II: “Trata-se de cada homem, porque todos e cada um foram compreendidos no mistério da Redenção, e com todos e cada um Cristo se uniu, para sempre, através deste mistério”[33].

Revelação do amor de Deus pelo homem, a vida e a morte de Cristo testemunham ainda a dignidade do homem: “Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo” [34]. Com efeito, Ele é a plena realização de todas as potencialidades presentes em cada homem; Ele é o cumprimento perfeito da imanência divina presente em todos. Além disso, viver como um homem autêntico significa contemplar Cristo para imitá-lo. É neste sentido que João Paulo II convidou os jovens a seguir os passos de Cristo: “O maior ‘recurso’ do homem é Cristo, Filho de Deus e Filho do homem. N’Ele descobrem-se as linhas do homem novo, realizado em toda a sua plenitude: do homem por si. Em Cristo, Crucificado e Ressurgido, desvela-se ao homem a possibilidade e o modo segundo o qual assume em profunda unidade toda a sua natureza[35].

Conclusão

Concluamos. Homem da imanência, João Paulo II foi mais do que qualquer um dos papas modernos. Ensinou-a, pregou-a e fez dela fundamento do humanismo com o qual animou todo seu pontificado. À luz de tal postulado, ele revisitou em profundidade os dois mistérios da Encarnação e Redenção. O primeiro serviu somente para ressaltar a imanência, enquanto que coube ao segundo coube somente a tarefa de revelar a cada homem a imensa dignidade de tal imanência.

Portanto, tudo em João Paulo II está enraizado no princípio modernista da imanência vital. Mas tudo em João Paulo II se apoia igualmente sobre a constituição conciliar Gaudium et spes. O ensinamento do falecido pontífice que acabamos de resumir não é senão um longo comentário do parágrafo 22 da constituição sobre a Igreja no mundo de seu tempo: “Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime. […] Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem”[36].

Se João Paulo II teve nossa atenção, foi precisamente porque pensamos poder encontrar nele um comentador autorizado do Vaticano II. Se ele foi modernista em sua proposta, é porque o ensinamento do Concílio Vaticano II era ele mesmo profundamente modernista. Visto que este simpósio tem por objeto a atualidade da encíclica Pascendi, terminarei dizendo que a denúncia que São Pio X fez do modernismo será atual enquanto o Vaticano II for atualidade. Oremos ao nosso Santo Patrono para que esse tempo seja mais breve!

Fim.

Notas

  1. João Paulo II, Tertio millenio adveniente, nº 6. Esta resposta é descrita em outro lugar como agradável a Deus: Cristo, unindo-se a nós, acolheu também cada homem individualmente. Cf. homilia de 02 de junho de 2000 na ocasião do Jubileu dos migrantes e itinerantes, DC 2000, n° 2229, p. 603: “Assumindo a condição humana e histórica, Cristo uniu-se de certa forma a cada homem. Recebeu cada um de nós e, no mandamento do amor, pediu-nos que imitássemos o seu exemplo”.
  2. Cf. Santo Tomás de Aquino, sup. 1 Tim. 2, 4, Ed. Marietti, n° 62.
  3. João Paulo II, mensagem de 21 de fevereiro de 1981 aos povos da Ásia, DC 1981, n° 1804, p. 281. Cf. João Paulo II, encíclica Redemptor hominis nº 18: “«Vinde, Espírito Santo!» […] Esta oração ao Espírito Santo, elevada precisamente com a intenção de obter o Espírito, é a resposta a todos os «materialismos» da nossa época. […] Poder-se-á dizer que, nesta súplica, a Igreja não está sozinha? Sim, pode-se dizer, porque «a necessidade» daquilo que é espiritual é exprimida também por pessoas que se encontram fora dos confins visíveis da Igreja. […] Esta invocação ao Espírito e pelo Espírito não é outra coisa senão um constante introduzir-se na plena dimensão do mistério da Redenção, no qual Cristo, unido ao Pai e com cada homem, nos comunica sem cessar esse mesmo Espírito que põe em nós os sentimentos do Filho e nos orienta para o Pai”.
  4. João Paulo II, encíclica Redemptor hominis, nº 14.
  5. Comissão teológica internacional, A dignidade e os direitos da pessoa humana, DC 1985, n° 1893, p. 385–391.
  6. Não insistiremos aqui nesse ponto, já desenvolvido em outro lugar. Cf. Pe. Patrick de la Rocque, Au cœur de la réforme liturgique, une nouvelle théologie du péché, em Atas do 3º congresso SI SI NO NO, Paris 2002.
  7. João Paulo II, encíclica Dives in misericordia, nº 7, DC 1980, n° 1797, p. 1090. Que essa aliança seja mais que uma eleição, mas uma realização, foi afirmado pouco antes por João Paulo II: “Deus, tal como Cristo O revelou, não permanece apenas em estreita relação com o mundo, como Criador e fonte última da existência; é também Pai: está unido ao homem por Ele chamado à existência no mundo visível, mediante um vínculo mais profundo ainda do que o da criação. É o amor que não só cria o bem, mas que faz com que nos tornemos participantes da própria vida de Deus, Pai, Filho e Espírito Santo”.
  8. Comissão teológica internacional, Quæstiones selectæ de Deo Redemptore de 8 de dezembro de 1994, parte 4, n° 40 e 42, DC 1996, n° 2143. Cf. CEC 604–605.
  9. João Paulo II, encíclica Redemptor hominis nº 13.
  10. Concílio Vaticano II, constituição Gaudium et spes, nº 22 §2. Sabe-se o quanto essa frase inspirou o ensinamento do falecido papa.
  11. João Paulo II, discurso de 29 de agosto de 1982 aos jovens do Encontro para a amizade entre os povos, DC 1982, n° 1837, p. 853.
  12. Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, nº 22.