OS MISTÉRIOS DO ROSÁRIO À LUZ DO PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA GRAÇA EM JESUS E EM MARIA

rosarioMISTÉRIOS GOZOSOS 

  1. — A ANUNCIAÇÃO    

“Ave, gratia plena” (Lc 1, 28). Desde o instante de sua concepção imaculada, Maria recebeu a graça com tamanha plenitude inicial, que excedeu a de todos os santos e anjos reunidos, como um único diamante vale mais do que um punhado de outras pedras preciosas; e como um fundador de Ordem é superior a seus filhos pela inspiração especial que recebeu. Esta plenitude de fé, de esperança, de caridade, que, em Maria, pelos seus méritos, não cessou de crescer, lhe foi dada em virtude de sua missão, única no mundo, de mãe de Deus; em virtude de sua maternidade divina, que ultrapassa a ordem da graça e atinge, de um certo modo, a ordem hipostática, constituída pela união pessoal da humanidade de Jesus ao Verbo de Deus. É este mistério da Encarnação aqui anunciado a Maria. Sob a luz de Deus ela diz seu Fiat com uma grande fé, uma grande paz e também com uma grande coragem, pois pressente para seu Filho os sofrimentos anunciados pelos profetas; e serão seus também os sofrimentos de seu Filho. Depois deste Fiat, no momento em que se realiza o mistério da Encarnação, a vinda do Verbo aumenta consideravelmente, em Maria, a plenitude inicial de caridade; assim, a Virgem participa, mais do que ninguém jamais participará, dos efeitos que produz na santa alma do Cristo a plenitude ainda superior, que ela recebe no momento mesmo da Encarnação. O Verbo se encarna para nos salvar, morrendo por nós na cruz; na sua santa alma e na alma de Maria a plenitude de graça produz então dois efeitos aparentemente contraditórios mas intimamente unidos, a mais profunda paz que deverá irradiar-se sobre nós, e um desejo da Cruz que se revelará mais e mais até a hora do Consummatum est.

  1. — A VISITAÇÃO   

Maria saudou Isabel e, como diz São Lucas (1, 41), quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança que ela trazia estremeceu em seu seio e ela ficou cheia do Espírito Santo. Elevando a voz, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre. E donde a mim esta dita, que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Porque, logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino exultou de alegria no meu ventre.”

Maria, que vai dar luz a N. S., leva a graça a Isabel e ao precursor que vai nascer. Maria, ela própria, foi resgatada, de uma maneira absolutamente excepcional, pelos méritos futuros de seu Filho e ela concorre para a redenção de todos nós. No instante de sua concepção imaculada, ela foi resgatada por uma redenção soberana, redenção soberana e preservadora, que o Redentor exerceu, ao menos em relação a uma alma, em relação àquela que deveria associar-se a Ele, mais do que qualquer outra, na obra da salvação dos homens. Neste sentido quis o Senhor que ninguém fosse salvo senão levando em conta os méritos de sua Mãe. Assim Ele quis santificar o Precursor pelas palavras de Maria.

  1. — O NASCIMENTO DE JESUS

A plenitude de graça da Virgem Santíssima cresce com o nascimento do Salvador, quando ela tem a imensa alegria de entregá-lo ao mundo.

Deixemos as alegrias freqüentemente demasiado humanas, às vezes perigosas, que nos afastariam de Deus, para viver a elevada e puríssima alegra da Boa Nova do Evangelho. O anjo disse aos pastores que à noite guardavam seus rebanhos: “Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo. É que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é o Cristo, o Senhor.” A alegria do mistério da Encarnação é a da presença real de Deus entre nós, de Deus que vai continuar a viver no meio de nós na Eucaristia. “Gloria in excelsis Deo, et in terra pax hominibus bonae voluntatis” (Lc 2, 14). É o primeiro efeito da plenitude da graça que começa a brilhar sobre nós.

  1. — APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO

No dia da Anunciação Maria tinha dito seu Fiat com paz e grande alegria; mas, também, na dor, pois pressentia os sofrimentos do Salvador, tão claramente anunciados por Isaías. Esta dor aumenta hoje, quando a Virgem Santa é diretamente esclarecida pela profecia do velho Simeão, que prediz de um modo bem claro: “Eis que este (Menino) está posto para ruína e para ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo da contradição. E uma espada traspassará a tua própria alma, afim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos.” (Lc 34, 35)

Maria, apresentando seu Filho no Templo, oferece-o por nós na dor; este sofrimento está, entretanto, intimamente unido à alegria profunda que ela sente ouvindo as palavras de paz de Simeão: “Agora, Senhor, deixas partir o teu servo em paz, segundo a tua palavra; porque os meus olhos viram a tua salvação, a qual preparaste ante a face de todos os povos; luz para iluminar as nações, e glória de Israel, teu povo.” (Lc 2, 29, 32)

  1. — JESUS É ENCONTRADO NO TEMPLO

Nosso Senhor diz à sua Santa Mãe e a José: “Por que me procuráveis? Não sabieis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?” Maria aceita, na obscuridade da fé, o que ainda não podia compreender; progressivamente o mistério da Redenção ser-lhe-á revelado em toda a sua profundidade e em toda a sua extensão. É uma alegria reencontrar Jesus, mas esta alegria faz pressentir muitos sofrimentos.

Da mesma maneira, a história da vida das almas começa com a alegria que nos traz o desejo do fim último apenas entrevisto, mas logo em seguida N. S. nos faz compreender que para atingi-lo é preciso percorrer ásperos e difíceis caminhos. Assim, deve haver três grandes atos na vida de uma alma: o desejo jubiloso da beatitude do céu; a escolha, constantemente renovada, dos meios, às vezes dolorosos, que a ele conduzem; a posse do fim alcançado. Esses três grandes atos correspondem aos mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos. O Rosário é, assim, uma escola de contemplação; ele nos conduz, suavemente, à contemplação viva que dirige a ação.   

MISTÉRIOS DOLOROSOS

  1. — AGONIA DE JESUS NO HORTO

Nesta tristeza acabrunhante, Jesus mantém-se perfeitamente conformado com a vontade de Deus: “Meu Pai, se for possível, afastai de mim este cálice, mas faça-se a Vossa vontade e não a minha.” (Mt 26, 39).

Comparemos às nossas esta tristeza de Jesus. Quantas vezes nossa insensatez nos leva a tristezas sem fundamento? Outra vezes nossos pecados e imprudências trazem conseqüências dolorosas, mas bem merecidas, contra as quais nos irritamos. Para nos purificar, o Senhor às vezes nos envia provações muito penosas que, ai de nós, raramente suportamos bem. Contemplemos nossos dois grandes modelos — Jesus e Maria — e compreenderemos que o verdadeiro mal que nos deve afligir, são os pecados cometidos, com suas conseqüências bem maiores do que pensamos, os pecados que perdem as almas. Nosso Senhor sofreu, na medida de seu amor pelo seu Pai, ofendido e por nós, que o ofendemos.

Supliquemos-lhe que nos ensine a sofrer de um modo proveitoso para nós e, também, para os outros. Jesus, por seu amor, transformou aquilo que parece mais inútil, a dor, no que há de mais fecundo. Num certo sentido Ele está, até o fim do mundo, em agonia no seu Corpo Místico, no corpo de seus membros que carregam a cruz. Assim como os nossos olhos não podem passar sem a luz do sol, assim o Corpo Místico não pode passar sem o sofrimento reparador, irradiação do sofrimento do Cristo.

Em Gethsemani, Jesus chorou por nossos pecados, sofreu até o suor de sangue. Peçamos-Lhe a contrição verdadeira e profunda de nossos pecados, as santas lágrimas da contrição das quais Ele disse nas bem-aventuranças: “Beati qui lugente, quonian ipsi consolabuntur.”

  1. — A FLAGELAÇÃO

Jesus expia, pelos seus ferimentos, as vontades criminosas dos homens. Ele é ferido e nós somos curados. Maria, que vê seu Filho flagelado por nós, não é curada, mas preservada por Ele do pecado original e de suas conseqüências acabrunhadoras; é preservada, também, de nossa triste concupiscência. Assim, soberanamente resgatada por Ele, deu-lhe ela este sangue puríssimo que, neste momento, é derramado pelos chicotes dos carrascos para nos curar da concupiscência da carne, que nos afasta de Deus, aflige as famílias e arruína os povos. 

Pro peccatis suae gentis
Vidit Jesum in tormentis
Et flagellis subditum.

                       (Stabat Mater)

  1. A COROAÇÃO DE ESPINHOS

Jesus é coroado de espinhos, por escárnio e por crueldade; mas esta coroa dolorosa, sob a qual Ele expia nossos pecados de orgulho, florescerá em coroa de glória, aquela coroa do Rei dos reis, do Senhor dos senhores. E Maria, vendo-o passar coroado de espinhos, será associada a esta glória. “O Rei a amou com uma predileção única… e sobre sua cabeça depositou o diadema da realeza.” (Esther, 2, 17). Antes de associá-la à sua vitória final, Nosso Senhor uniu-a aos seus sofrimentos, na paz interior que, apesar de tudo, permanece no fundo de seus corações e no desejo de imolar-se, num perfeito holocausto, pela salvação dos homens. A paz daquele que é assim coroado de espinhos, não permanece apenas no fundo de sua alma. Irradia-se há dois mil anos sobre todos os que meditam em seus corações na paixão dolorosa, na humildade do Salvador e na da sua Santa Mãe.

Como diz São Grignion de Montfort, o demônio, que é o orgulho personificado, sofre mais sendo vencido pela humildade de Maria do que se fosse esmagado duma vez pelo Todo Poderoso.

O humilde Jesus, coroado de espinhos, será elevado acima de todos. “Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso também Deus o exaltou, e lhe deu um nome que está acima de todo o nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre todo o joelho no céu, na terra e no inferno, e toda a língua confesse que o Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre”. (Fl 2, 8).

  1. — JESUS CARREGA A CRUZ.

“Se alguém quer seguir-me, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.” 

Carreguemos, a nossa cruz, santamente, em união com o Salvador, e encontraremos nela uma doçura verdadeira que o espírito do mundo não pode conhecer. Se não levamos a cruz como devemos é porque nosso desejo de vida eterna não é bastante forte, bastante vivo e intenso. Se recuamos diante da severidade do meio é porque o desejo do fim não é tanto quando deveria ser. É preciso avivar este desejo pedindo à Virgem Santa que o aumente em nós, juntamente com a fé, a esperança e a caridade. Levadas com amor, nossas cruzes serão menos penosas, porém mais meritórias. A caridade é o princípio do mérito e torna mais suave o jugo do Senhor.

Senhor, transformai as provações que, muitas vezes, nos abatem sem proveito; fazei com que elas nos aproximem do fim almejado e se tornem, para nós e para os outros, um penhor de vida eterna.

O caminho da cruz nos lembra que não há, como o disse alguém, senão um mal verdadeiro (sobretudo em circunstâncias graves), o de não sermos santos. Temos, ao menos, a certeza absoluta de que não teremos de carregar uma cruz superior às nossas forças, ajudadas pela graça. Estamos certos do nosso guia. Resta-nos, apenas, seguir os seus passos.

  1. — A CRUCIFIXÃO

Jesus vai morrer no meio dos mais atrozes sofrimentos físicos e morais e com exceção de S. João, todos os apóstolos partiram! A mãe das dores faz, então, o maior ato de fé e de esperança que jamais existiu. O crucificado entretanto tem algo mais que a fé e a esperança. Conserva, mesmo na agonia, a visão da essência divina; mas Ele como que retém esta glória no cimo de sua inteligência, para entregar-se à dor. Parece vencido, sua obra parece destruída, quase todos os discípulos partiram. Maria não cessa, um só instante, de acreditar que Ele é o Salvador, o Verbo de Deus encarnado que ressuscitará ao terceiro dia, conforme predissera. Maria compreende, como ninguém jamais compreenderá, as sete palavras que Ele pronunciou antes da morte. Ela oferece ao Pai este Filho, não apenas querido, mas legitimamente adorado, com todo o amor de que é capaz, e oferece o amor, ainda maior, d’Aquele que morre por nós. Oferecendo-o, deste modo, recebe a plenitude final da graça, que a torna, mais do que nunca, Mãe dos homens, co-redentora e medianeira universal. 

Maria, deste modo, “carregou a morte de Cristo”. Supliquemos-lhe: “Fac ut portem Christi mortem“. Peçamos-lhe tornar-nos participantes dos dois grandes efeitos da plenitude da graça: a paz e o desejo da cruz. Que ela nos faça amar a cruz como todos os santos a amaram e nos conceda uma compreensão, sempre mais viva e mais profunda, do mistério da Redenção, e do valor infinito da Missa, que o perpetua sobre nossos altares. 

MISTÉRIOS GLORIOSOS

  1. — A RESSURREIÇÃO  

Jesus venceu a morte, porque, na cruz, venceu o demônio e o pecado. Jesus pôde dizer a seus discípulos: “Venci o mundo” (Jo 16, 33); isto é, venci o espírito do mundo feito de concupiscência e de orgulho. Na ressurreição temos o sinal claro desta vitória. Não é a morte a conseqüência e o castigo do pecado? (Rm 5, 12) A vitória sobre a morte deve ser a conseqüência da vitória sobre o pecado. É isto que faz São Paulo dizer: “E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé, porque ainda permaneceis nos vossos pecados.” (1 Cor 15, 17).

Este é o sentido da ressurreição e dos mistérios gloriosos que a seguem. Os mistérios gozosos falavam da alegria que acompanha o vivo desejo do fim último entrevisto; os mistérios dolorosos lembravam os severos meios que, carregando a cruz, precisamos utilizar dia a dia; os mistérios gloriosos falam do fim último já conquistado.

Estes mistérios nos introduzem na vida eterna, que é o nosso destino. Nossas alegrias e tristezas devem ordenar-se para esta glória, assim como, para ela, ordenaram-se as alegrias de Maria e do Menino Jesus e a dolorosa Paixão que, a ambos uniu, na oblação do mesmo holocausto. Contemplemos nossos dois grandes modelos e meditemos no dever de imitá-los, todos os dias de nossa vida, tendendo, com generosidade sempre crescente, para o fim ao qual eles nos querem conduzir.

  1. — A ASCENSÃO

Jesus subiu ao céu, onde, à direita do Pai, reinará, eternamente, sobre as inteligências e sobre os corações. As almas dos justos entrarão com Ele no céu, para, na medida de seus méritos e segundo o seu grau de caridade, gozarem a visão beatífica. Por que a Virgem Santíssima que, ainda na terra, possuía uma caridade tão superior à de todos os santos, não acompanha logo seu Filho? A fim de permanecer ainda na Igreja militante, como o coração que ama, que sofre e que ainda merece, sustentando invisivelmente os Apóstolos nas suas difíceis tarefas. Nosso Senhor priva seus Apóstolos de Sua presença sensível, mas, como consolação, lhes deixa Sua mãe. A Igreja nascente deve seu desenvolvimento aos méritos passados do Salvador e, também, n’Ele, por Ele, com Ele, à prece e ao amor doloroso da Virgem, mãe espiritual de todos os homens.

  1. — PENTECOSTES.

O Espírito Santo desce sobre a Virgem e os Apóstolos, de modo visível, sob a forma de línguas de fogo. Pensemos nas graças mais uma vez acrescidas à alma de Maria! Como a pedra que, quanto mais próxima está da terra, mais é atraída por ela e mais depressa cai, assim, a alma da Virgem, quanto mais próxima se acha de Deus, tanto mais rapidamente se eleva para Ele. Que aceleração prodigiosa no impulso de seu amor, desde a plenitude inicial, recebida no instante da imaculada conceição, desde a rapidez inicial, que já era superior ao impulso de caridade dos maiores santos! A lei da atração universal dos corpos não é senão um reflexo da lei, incomparavelmente mais elevada, que rege a tendência de todas as criaturas e, sobretudo, de todos os espíritos atraídos por deus. Desde que sigam livremente esta dupla inclinação da natureza e da graça, os espíritos elevam-se a Deus, com um amor cada vez mais intenso, até o momento em que, alcançando-O, chegam ao termo de sua jornada. Quanto mais se aproximam de Deus, mais são atraídos por Ele; é o que se verifica no dia de Pentecostes, na alma dos Apóstolos e, mais ainda, na alma de Maria, pois o impulso de sua caridade não foi retardada por nenhuma falta, nem por imperfeição alguma.

Se ela não recebeu o caráter sacerdotal, recebeu, contudo, a plenitude do espírito do sacerdócio, que é o espírito do Cristo Redentor, e ela o transmite aos Apóstolos, aos quais sua prece e sua imolação interior vão sustentar nos grandes trabalhos e lutas.

Pelas mãos da Virgem Santíssima, consagremo-nos ao Espírito Santo, pedindo-lhe que, de futuro, nos faça dóceis às suas tão numerosas e tão preciosas inspirações, as quais freqüentemente dissipamos. Peçamos também apóstolos, valorosas vocações sacerdotais; vocações numerosas, evidentemente, mas, sobretudo, generosas. Mais do que nós, Nosso Senhor deseja perpetuar seu sacerdócio e salvar as almas; muito agradaremos ao seu divino Coração obtendo, por Ele, com Ele e n’Ele, graças eficazes para formar uma elite fiel, que continua valentemente, pelos mesmos meios sobrenaturais, o apostolado dos Doze e o apostolado dos primeiros discípulos do Salvador.

  1. — A ASSUNÇÃO

A Virgem Santíssima morreu de amor, sua alma foi arrebatada fora do corpo pela força de seu amor a Deus. Mas, assim elevada ao céu, pelo impulso de sua caridade, sua alma não demora em unir-se, novamente, ao corpo, que, não tendo tido nenhum contato com o pecado original, nem com o pecado atual, não deve conhecer a corrupção da carne. Nosso Senhor antecipa, deste modo, para ela, a hora da ressurreição. Associa sua Mãe Santíssima à vitória sobre a morte, porque, no Calvário, mais do que ninguém, ela fora associada à sua vitória sobre o pecado.

Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte. É pelos méritos de vosso Filho e por vossa intercessão que podemos fazer nossa oração. Fazei-nos compreender que, para os que amam o Senhor e o amam até o fim, tudo concorre para o bem, omnia cooperantur in bonum (Rm 8, 28). Tornai-nos daqueles que o amam assim até o fim; consegui-nos a graça da perseverança final, a graça da boa morte. Veremos, então, que, pela bondade de Deus, pelos méritos de vosso Filho e por vossas preces, tudo em nossas vidas terá sido para o bem. Tudo, as qualidades naturais, os esforços, todas as graças recebidas depois do batismo, todas as absolvições, todas as comunhões, como também todas as quedas, todas as cruzes, todas as contradições e até mesmo os pecados, pois, como diz Santo Agostinho, o Senhor só os permite na vida dos eleitos para conduzi-los a um conhecimento mais profundo de si mesmos, a uma humildade verdadeira, a um reconhecimento maior, depois da absolvição, e a um maior amor.

  1. — A COROAÇÃO DE MARIA NO CÉU

A Santa Mãe de Deus foi elevada acima dos coros dos anjos: “exaltata est super choros angelorum, ad coelestia regna“. Assim como não podemos fazer uma idéia da plenitude final de caridade possuída pela santa alma de Maria, possuída no momento de sua morte, não sabemos, também, determinar a intensidade da luz de glória que ela recebeu, nem a intensidade da visão pela qual, mais do que todos os santos, ela penetra nas profundezas da essência divina. Ela é, assim, Rainha dos Anjos, dos Patriarcas, dos Profetas, dos Apóstolos, dos Mártires, dos Doutores, dos Confessores, das Virgens, Rainha dos todos os santos; ela é, porém, mais mãe do que Rainha.

Peçamos-lhe, pois, de minuto em minuto, até à morte, a graça necessária ao momento presente. É esta graça que lhe pedimos dizendo: “Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora…” Solicitamos, assim, a mais particular das graças, a graça que varia a cada minuto, que nos coloca à altura dos nossos deveres do dia inteiro e que nos faz ver a grandeza de todas as pequenas coisas ligadas, de algum modo, à eternidade. Muitas vezes, dizemos distraídos este agora, mas, Maria, que nos ouve, não está distraída. Acolhe nossa prece e a graça necessária ao minuto presente, para continuarmos a rezar, a sofrer ou a agir, vem a nós, como o ar vem ao peito. Peçamos-lhe a graça de viver toda a riqueza deste minuto que passa, sobretudo na hora da prece. Há uma maneira precipitada, mecânica, anti-contemplativa, de recitar o ofício divino e o Rosário: livrai-nos, Maria, deste gênero de materialismo. Enquanto passa o minuto presente, lembrai-nos de que não é só nosso corpo ou nossa sensibilidade dolorosa ou alegremente impressionada que existe, mas também nossa alma espiritual, o Cristo que influi sobre ela e a Santíssima Trindade que habita em nós. Abandonemos à Misericórdia infinita todo nosso passado bem como nosso futuro e vivamos o momento presente de um modo muito prático e elevado; vejamos neste agora fugidio, seja ele suave, alegre ou penoso, uma imagem longínqua do único instante da eternidade imóvel e, nele, vejamos também uma prova viva, por causa da graça atual que encerra, da bondade paternal de Deus.

Neste período de nossa vida, digne-se a Virgem Santíssima fazer-nos conhecer as santas exigências do amor de Deus a nosso respeito; elas ultrapassam as dos períodos precedentes, assim como a graça deve crescer em nós até o momento de nossa morte. Deste modo toda a nossa vida será, verdadeiramente, uma marcha e mesmo uma marcha cada vez mais rápida para a eternidade, para Deus que nos atrai a si.

(Extr. de “L’amour de Dieu et la Croix de Jesus“, trad. e publ. na revista A ORDEM, Out. de 1948)