OS PRINCÍPIOS DA AÇÃO CATÓLICA – PARTE 2/4

https://www.herodote.net/_images/8-papaute2-henri4-agenouille-gregoire7-vatican.jpgPelo Pe. François-Marie Chautard

Fonte: Le Chardonnet nº 260 – Tradução: Dominus Est

No artigo anterior foram evocados os objetivos assim como os três princípios da ação católica tais como o Magistério nos deu em seus ensinamentos:

O objetivo da ação católica é contribuir para a instauração do Reino de Jesus Cristo nos indivíduos, nas famílias e nas sociedades.

Esses três primeiros princípios[1] da ação católica são os seguintes:

A ação católica deve se adaptar à ordem natural e impregná-la da graça. Em poucas palavras, ela deve cristianizar a ordem das coisas.

Sendo a natureza do homem sociável, a ação católica deve impregnar sem destruir toda a vida social e política do homem, ou seja, cristianizar os corpos intermediários e, finalmente, todas as instituições sociais e políticas.

Sendo dupla a natureza das obras humanas — temporal e espiritual —, os princípios da ação católica variam de acordo com esses dois modos. E esses princípios engendram outros:

Quarto princípio: a ação católica deve estar submissa à autoridade eclesiástica

Se a ação católica visa instaurar o Reinado de Nosso Senhor na ordem puramente espiritual ou temporal, sua ação é eminentemente sobrenatural e diz respeito à ordem da graça. Ora, o que diz respeito à ordem da graça diz respeito à autoridade eclesiástica. Por conseguinte, a obediência condiciona o sucesso do apostolado, conforme ensina Pio XII:

«Essa estreita colaboração do laicato ao apostolado hierárquico, em uma inteligente e alegre obediência em relação aos chefes espirituais que o Espírito Santo colocou para reger a Igreja de Deus, é a garantia de sucessos sobrenaturais divinamente prometidos aos mensageiros do Evangelho (…)»[2].

Contrariamente a isso, afastar-se da tutela eclesiástica nas esferas que lhe pertencem equivale a se privar das bênçãos do Céu.

O Magistério da Igreja é particularmente claro sobre esse capítulo da obediência. Em várias ocasiões os papas retornaram ao assunto, especialmente com o Sillon[3]. Essa insistência explica-se facilmente pela propensão recorrente na qual os leigos engajados na ação política e social emancipam-se voluntariamente da autoridade eclesiástica. Ativos na Cidade, esses leigos esquecem facilmente que as esferas sociais e políticas tocam a moral cristã e, por isso mesmo, dependem da hierarquia eclesiástica: «não se edificará a sociedade, insiste São Pio X, se a Igreja não deitar as bases e não dirigir os trabalhos»[4].

Certas áreas dependem exclusivamente da autoridade temporal. Entretanto, muitas das áreas afetam, de alguma forma,as competências eclesiásticas. Em particular, a educação, a medicina e a economia estão estreitamente ligadas aos princípios morais. E muito idealista seria aquele que imaginasse encontrar soluções gerais fazendo da economia uma direção moral.

Evidentemente isso não significa que os leigos não tenham qualquer poder de direção e nem que a doutrina política da Igreja se confunda com a teocracia. Entretanto, isso significa que, por direito, os leigospermanecem sujeitos à hierarquia católica nos assuntos que tratam de fé e moral. A batina evidentemente não tem de dirigir os protocolos da pesquisa médica, mas se por ventura a pesquisa tiver como objeto os embriões humanos ou qualquer outra questão que concerne de alguma forma mesmo à moral natural, então a Igreja possui um dever e um direito de controle. É, portanto, para retomar uma expressão de São Pio X, uma «alta direção», e não um minucioso controle dos mínimos detalhes e aplicações.

Mais precisamente, a autoridade da Igreja distingue-se na medida em que a ação se relaciona diretamente a um assunto espiritual — como um patronato, um curso de catecismo, um grupo de orações — ou sobre uma questão temporal em que certos aspectos dizem respeito à fé e à moral, como a medicina ou as leis econômicas.

Assim, a direção de uma obra propriamente espiritual concerne diretamente e em todos os seus aspectos à autoridade eclesiástica. Por outro lado, a direção de uma obra propriamente temporal concerne diretamente à autoridade temporal e indiretamente à autoridade espiritual. A gestão de uma empresa depende por direito a um leigo, mas esse poder permanece sujeito à autoridade eclesiástica do ponto de vista moral. Dessa maneira, se um leigo vier à faltar com o direito cristão na sua gestão, a autoridade eclesiástica estaria em posição de — pelo menos por direito — penalizá-lo; como, por exemplo, se um diretor de empresa forçasse, por meio do seu próprio cargo, seus empregados a trabalharem de domingo.

1Embora seja de natureza temporal, a pesquisa médica não escapa, assim como outras disciplinas, ao direito de controle da Igreja.

Colocados esses princípios, podemos medir a amplitude e a extensão dos poderes da Igreja na Cidade: na medida em que a ação católica visa cristianizar as estruturas e os indivíduos, ela tende a um objetivo tanto espiritual como temporal.  Ela não é então puramente temporal, e portanto deve estar sujeita à hierarquia, ou seja ao direito comum da Igreja, aos bispos. Tudo isso está alias nitidamente exposto por São Pio X:

«Resta-nos, Veneráveis irmãos, tratar de uma outra questão da maior importância: a relação que todas as obras da ação católica devem ter com a autoridade eclesiástica.

Se se considerar bem as doutrinas que Nós desenvolvemos na primeira parte da Nossa Encíclica, concluir-se-á facilmente que todas as obras que vêm diretamente ao encontro do ministério espiritual e pastoral da Igreja, e que por conseguinte se propõem a um fim religioso, visam diretamente o bem das almas e devem em todos os seus detalhes estarem subordinadas à autoridade da Igreja e, portanto, igualmente à autoridade dos bispos, que foram estabelecidos pelo Espírito Santo para governar a Igreja de Deus nas dioceses em que lhes foram confiados.

Mas, mesmo as outras obras que, conforme dissemos, são especialmente fundadas para restaurar e promover em Cristo a verdadeira civilização cristã, e que constituem no sentido mais alto a ação católica, não podem de maneira alguma serem concebidas independentes do conselho e da alta direção da autoridade eclesiástica, especialmente porque todas elas devem se conformar aos princípios da doutrina e da moral cristã; e menos ainda é possível concebê-las em oposição mais ou menos aberta à essa mesma autoridade.

É certo que tais obras, dada sua natureza, devem se mover com a liberdade que lhes razoavelmente convém, pois é sobre elas mesmas que recairá a responsabilidade das suas ações, sobretudo nos assuntos temporais e econômicos, assim como naqueles da vida pública, administrativa ou política — todas elas alheias ao ministério puramente espiritual. Mas uma vez que os católicos carregam sempre o estandarte de Cristo, por isso mesmo eles carregam o estandarte da Igreja; e é portanto razoável que eles recebam-no das mãos da Igreja, que o guarda para que sua honra seja sempre imaculada, e que à ação dessa vigilância maternal os católicos submetam-se como filhos dóceis e afetuosos.

Daí fica manifesto o quão errado estavam aqueles que, embora poucos, aqui na Itália e sob Nossos olhos, quiseram se encarregar de uma missão que não haviam recebido nem de Nós e nem de qualquer um dos nossos Irmãos do episcopado; e que se puseram à cumpri-la não somente sem o devido respeito à autoridade, mas até mesmo indo abertamente contra a vontade dela, buscando legitimar sua desobediência por meio de distinções fúteis. Eles diziam, ainda assim, que levavam um estandarte com o nome de Cristo; mas tal estandarte não poderia ser de Cristo, pois eles não traziam consigo a doutrina do Divino Redentor, de modo que aplicam-se aqui essas palavras: “O que a vós ouve, a mim ouve: e o que a vós despreza, a mim despreza” [Luc. 10, 16]; “O que não é comigo, é contra mim; e o que não colhe comigo, desperdiça” [Luc. 11, 23]. Essa é uma doutrina de humildade, submissão e respeito filial»[5].

Quinto princípio: a ação católica deve ser confessional

Por ter um objetivo sobrenatural, a ação católica deve usar de meios sobrenaturais e propagar a fé católica. Necessariamente, ela vem acompanhada da profissão pública de sua pertença à fé católica. Se por infelicidade ela não o fizer, sua ação cessaria de ser propriamente católica e deveria antes se chamar ação neutra ou deísta, ou até mesmo ecumênica. Porquanto, a ação católica não deve ser aconfessional (sem religião) e nem mista (inter-religiosa).

Uma outra razão que conduz ao mesmo princípio: o católico deve evitar na medida do possível tudo aquilo que coloque em perigo sua fé ou a profissão pública da sua fé. É por isso que o católico deve evitar atuar em terrenos estreitamente ligados à fé ou à moral com os acatólicos.

Santo Tomás de Aquino observou muito justamente: «Assim, certos estão de tal modo firmes na fé, que se pode esperar, da sua convivência com os infiéis, que antes, os convertam do que percam a fé. Por onde, não se lhes deve proibir comuniquem-se com os infiéis, pagãos ou judeus, que ainda não receberam a fé; e sobretudo urgindo a necessidade. – Aos que porém forem simples e fracos na fé, cuja subversão possa provavelmente temer-se, se lhes deve proibir comunicar com os infiéis; e sobretudo para que não venham a ter com eles grande familiaridade ou com eles comuniquem, sem necessidade»[6].

Ora, ser firme na fé supõe não somente tê-la, mas tê-la bem «arraigada» e bem formada; algo que é privilégio de poucos. Daí o escândalo frequente dos jovens de antigamente, que perdiam a fé no serviço militar e hoje perdem-na na universidade laica.

Essa defesa se compreende se entendermos a tendência natural da psicologia humana à colocar de lado a diferença (religiosa ou não) a partir do momento em que se trabalha em comum. Com efeito, a inclinação natural (ou naturalista) é relegar ao segundo plano sua fé para evitar se zangar ou desagradar seus colegas. Sob o pretexto de eficácia na própria ação apostólica, a tentação habitual consiste em se mostrar «discreto» acerca da sua fé, imaginando que se poderá mais tarde afirmá-la mais nitidamente. Isso é esquecer que a contrapartida da associação com acatólicos terá ela também um preço, e que será ainda mais difícil afirmar sua fé uma vez que ela já foi colocada entre parênteses.

Assim, é ilusório querer se opor ao aborto dissimulando suas convicções católicas e as razões propriamente católicas que sustentam essa defesa. Conformar-se com argumentos e slogans puramente filantrópicos equivale a deixar a ação propriamente católica.

Além disso, se por infelicidade, esse gênero de ação se enraizar numa prática habitual, o combate ao aborto não terá algo de verdadeiramente católico, mas antes de propriamente naturalista: acaba-se por não combater mais o aborto como antes sendo um pecado cometido contra Deus, mas sim como uma ofensa à Vida; algo que, no final das contas, está em conformidade com os pagãos:

«O perigo dessas colaborações, escreveu Mons. Lefebvre, reside na necessidade de dever ocultar os propósitos católicos que nos fazem agir e, assim, de dar a impressão que nossos propósitos são puramente naturais e humanos. Isso já é praticamente alinhar nossos propósitos de ação aos propósitos acatólicos»[7].

2Deposto por São Gregório VII, Henrique IV, imperador do Sacro Império Romano-Germânico veio fazer a amendehonorable em Canossa aos pés do pontífice (nave lateral da basílica de São Pedro)

Uma ação comum pode entretanto ser empreendida excepcionalmente com os acatólicos[8], seguindo condições bem precisas, conforme resumiu Mons. Lefebvre:

«Nessa colaboração é preciso que nossos propósitos estejam claramente afirmados (1), e por conseguinte que o objetivo a alcançar seja especificado (2) e em geral breve (3), não necessitando contatos prolongados (4) que perturbem a afirmação da fé»[9]. Senão, isso constituiria «um ecumenismo prático inadmissível entre católicos e escandalosos»[10].

Seguindo o mesmo princípio, o católico não deve entrar em sindicatos neutros ou mistos[11]. Ele não deve ter ação católica (ou seja, com um objetivo ou contato religioso) com os acatólicos.

No fundo, essa chamada a uma ação propriamente católica corresponde à uma tentação persistente dos homens de ação: abandonar os meios sobrenaturais em prol das ações exclusivamente naturais. Isso equivale a contradizer frontalmente o objetivo da ação católica, que consiste precisamente em cristianizar a ordem natural.

Ainda falta saber como escolher os meios adequados (naturais e sobrenaturais) para aplicar esses cinco princípios da ação católica.

(Continua…)

Notas:

[1] Para ser mais preciso, o Magistério fornece esses princípios sem estabelecer explicitamente sua ordem e sua articulação.

[2] Citado em Consignes aux militants, Les enseignementspontificaux réunis par les moines deSolesmes, Desclée n° 142, p. 76.

[3] Ver os índices dos volumes de Le Laïcat e Consignes aux militants, enseignements pontificauxréunis par les moines de Solesmes, que citam abundantemente o ensinamento de Leão XIII, São Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio XII.

[4] São Pio X, Notre Charge apostolique, 25 de agosto de 1910.

[5] São Pio X, Il fermo proposito.

[6] Suma Teológica, IIaIIae parte, q. 10; art. 9.

[7] «Essa carta foi enviada em 1990 à HervéBigeard, então presidente da MJCF, a propósito de um projeto de ações anti-aborto que seriam realizadas em parceria com a “liga pela Vida”, uma organização não-confessional», Jean Belem em «S’unir à desnonchrétiens?», Fideliter, julho-agosto de 2005, n.º 166, p. 22, citando essa carta de Mons. Lefebvre.

[8] Cf. Singulariquadamcaritate de 24 de setembro de 1912, cujo artigo da Fideliter citado acima fornece as passagens.

[9] Ibidem. Os números entre parênteses foram acrescentados por nós.

[10] Ibidem. Ver os textos pontificais citados pelo artigo do periódico Fideliter citado acima.

[11] Cf. Breve apostólico ao conde da Albânia, 19 de março de 1904. Actes de saint Pie X.