SERMÃO SOBRE O MATRIMÔNIO

O NOVO CONCEITO DE MATRIMÔNIO E A INVERSÃO DE SEU FIM PRIMÁRIO | DOMINUS EST

Fonte: Los Cocodrilos del Foso – Tradução: Bruno Rodrigues da Cunha

Nem tudo o que se encontra na Suma Teológica, de Santo Tomás, é exclusivamente para teólogos. Uma das pérolas mais acessíveis e úteis lá encontradas é seu pequeno tratado acerca dos bens do matrimônio.

Ele começa dizendo: “Nenhum homem sábio deve aceitar um prejuízo se ele não vier compensado por um bem igual ou maior”. E observa que o matrimônio traz juntamente consigo bens e males. Quem se casa aceita sofrer estes para alcançar aqueles.

Até essa frase, todos estão de acordo. Mas, daqui em diante — e é assustador percebê-lo — entre o que ensina Santo Tomás, resumindo toda a Tradição e bom senso católicos, e o sentir comum de hoje não há uma mera divergência, e sim uma total e exata inversão. Aquilo que para o Doutor da Igreja são males, agora são considerados bens, e os bens, males. Deixemos bem claro que falamos de pessoas que se consideram católicas, de forma sincera.

Embora devamos reconhecer que tanto nos tempos de maior fé, como na época de Santo Tomás, quanto nos tempos de muita incredulidade, como hoje, muitos renunciam ao matrimônio (claro, antigamente renunciavam antes do casamento para entregar-se a Deus, e hoje renunciam depois dele, para entregar-se a… sabe lá Deus). Ainda assim, tanto antes quanto agora, a grande maioria segue casando. E é curioso, porque, apesar dessa inversão exata de valores, o saldo continua sendo positivo.

Quais são, segundo Santo Tomás, os males que o casamento traz consigo? Em primeiro lugar, uma decaída da atividade espiritual, devido à veemência das paixões própria do trato conjugal. E em segundo lugar, a “tribulação da carne”, ou seja, as preocupações e os trabalhos ocasionados pelas necessidades temporais.

Contudo, esses não tão pequenos males são extensamente superados por três grandes bens: a prole, a fidelidade e o sacramento. São os filhos, a prole, o primeiro e o grande bem do matrimônio, aquilo pelo qual Deus o instituiu. O segundo bem é a fidelidade, pela qual o homem se une com uma única mulher, e a mulher com um único homem, tendo cada um no outro um apoio em que poderão confiar. E o terceiro bem, selo sagrado dos demais, é o sacramento, pelo qual o matrimônio se vê transformado por Deus em laço indissolúvel e fonte de santidade para toda a família.

Mas, ao contrário, o que move hoje muitos católicos a se casar? Principalmente os sentimentos e a paixão, que para um cristão só podem ser satisfeitos legitimamente dentro do matrimônio. E, em segundo lugar, as conveniências práticas: que haja alguém que varra a casa e faça a comida, ou alguém que dê um teto e comida. E, por essas razões, como homens sábios, aceitam a pesada carga dos poucos filhos, que escapam a seus cuidados; o resignar-se só exteriormente ao único cônjuge; e submeter-se como um condenado à cadeia perpétua da indissolubilidade.

Dissemos que percebemos, assustados, essa total inversão daquilo que é o matrimônio. Com terror! deveríamos dizer. Porque não se trata somente da perda das verdades de fé, o que já seria gravíssimo; senão da corrupção mesma da razão natural, o que é ainda pior. Um incrédulo pode se converter a Deus, mas um insensato não!

É evidente que para ter fé é necessário não estar louco. Mas, para ter a fé, não basta o uso da razão, mas também se faz necessário o uso correto da razão natural. Há uma relação mútua e estreita entre a fé e o bom senso das coisas naturais: nossa mente se eleva ao conhecimento dos mistérios divinos apoiada em comparações com as realidades naturais. E a luz desses mistérios faz com que compreendamos de um modo novo, muito mais profundo, as verdades das quais partimos. Essa é a explicação teológica do grande senso comum de um bom cristão, e da dificuldade de ser cristão àquele ao qual falta senso comum.

Não seria necessária a Revelação para saber que os filhos são a grande recompensa do matrimônio, que a fidelidade é um grande bem e que a indissolubilidade é, no mínimo, necessária. Mas somente a luz divina poderia mostrar aos fiéis a grandeza imensa desses bens. “Grande é esse sacramento”, exclama São Paulo falando do matrimônio, “mas o digo em Cristo e na Igreja” (Ef 5, 32). Somente ao mirar o mistério de amor e de união entre Cristo e sua esposa, a Igreja, podemos nos assegurar da grandeza do matrimônio cristão, já que ele é como um reflexo ou imagem daquele outro Grande Mistério de fecundidade, de fidelidade e de santificação.

Mistério de fecundidade: Cristo deu todo o seu Sangue para fazer fecunda a Igreja, e a Igreja ardeu em desejos de lhe dar filhos. Em todos os povos os engendrou, generosa, porque é Católica; e por ser Apostólica os deu à luz, incansável, em todos os tempos. Que pais verdadeiramente cristãos fariam delongas com o último de seus filhos, quando de tal forma Cristo os desejou!

Mistério de fidelidade: porque foi todo o seu Sangue o que Cristo deu, e nada guardou para si; não houve outra Igreja que pudesse ser objeto de seu amor. Por isso a Igreja é una, e com olhos para um único Senhor. É contemplando esse amor único, exclusivo porque é total, que os esposos cristãos aprendem a se amar: “maridos, amai vossas mulheres como Cristo amou sua Igreja, e, como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres devem ser sujeitas a seus maridos em tudo” (Ef 5, 24-25).

Mistério de santificação: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela para santificá-la”. É por sua união indissolúvel a Cristo na cruz que a Igreja é santa, e fonte inesgotável de santidade. Assim, o matrimônio cristão, elevado à dignidade de sacramento, é uma das sete fontes que derramam entre os homens a santidade que vem da cruz. Fonte de santidade na medida que é informada pela caridade e pelo espírito de sacrifício.

Os esposos católicos, neste tempo de confusão tão profunda e universal, devem mirar a Cruz, contemplar ali o mistério da união entre Cristo e a Igreja, para redescobrir a grandeza do matrimônio cristão. Seus filhos, um dia, ao ter em vocês a fiel imagem desse mistério de fecundidade, de fidelidade e de santificação, facilmente compreenderão por que a Igreja é Católica, Apostólica, Una e Santa.

Que difícil é compreender a esse par de sobreviventes do egoísmo de seus pais que a Igreja dê seu sangue em suas missões. Que difícil, quando veem separar-se aqueles que foram seus pais, para atirar-se em braços de estranhos, entender que Cristo não pode repartir seu amor em pedaços entre uma infinidade de seitas e religiões; e, por causa disso, que difícil descobrir que o ecumenismo conciliar é uma mentira. Que difícil acreditar que somente na Igreja se possa nascer e crescer, que ela seja o único lugar para a vida da graça, quando nunca sentiram, coitados, o calor de uma família. 

Padre Álvaro Calderón