O QUE É A LEI NATURAL?

Olhando para o Céu | Em busca de Jesus - Devocionais

Quando discutimos questões de moralidade, normalmente fazemos referência à “Lei natural”. O que é a “Lei”?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

A Lei natural é, de acordo com Santo Tomás, nada mais que a participação da criatura racional na Lei eterna. Portanto, devemos começar pela noção de Lei eterna. Santo Tomás explica que ela é o plano da sabedoria divina por meio do qual Deus direciona todas as ações e movimentos das criaturas visando o bem comum de todo o universo.

A Lei natural é a mesma Lei eterna conhecida pelo homem através da razão natural.

Deus conhece e ordena, desde a eternidade, o que é conveniente e proporcionado à razão natural; e essa ordenação existente na mente divina é chamada de ou constitui a Lei eterna. Ao criar o homem, Deus imprimiu essa ordenação em sua própria natureza; portanto, simplesmente por ter nascido, todo homem está sujeito a essa Lei. Essa participação na Lei eterna, ou a ordem moral constituída por Deus, é a Lei natural objetivamente considerada.

Quando o homem atinge a idade da razão, conhece ao menos os princípios básicos da Lei natural (p.ex., deve-se praticar o bem e evitar o mal) como algo que tem obrigação de cumprir, e essa participação na Lei eterna é a Lei natural subjetivamente considerada. Continuar lendo

SANTO TOMÁS PROPÕE A VINGANÇA COMO VIRTUDE. MAS, VINGANÇA NÃO É ALGO RUIM?

A criação, a cosmologia e o pensamento de São Tomás de Aquino

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Entre as virtudes sociais, isto é, aquelas que facilitam a vida dos homens na sociedade, Santo Tomás enumera a vindicta – que deveria ser traduzida como “punição justa” para evitar o sentido pejorativo que a palavra “vingança” tem. É uma virtude ligada à virtude cardeal da justiça, que consiste em punir o malfeitor pelo crime cometido.

Infelizmente, quando se trata de punir criminosos, o mundo moderno parece oscilar entre dois extremos: rigor desproporcionado e leniência exagerada. Portanto, é necessário esclarecer o que entendemos como “vingança”, punição justa.

Não há duvida de que restaurar a ordem perturbada por uma ação má é uma obra boa e virtuosa, exigida pela justiça em si e pela necessidade de manter a ordem social. Porém, em razão de nossa natureza decaída, quando se aplica uma punição, é muito fácil se deixar levar por motivos pecaminosos (raiva desordenada, ódio do criminoso, etc), o que faria a punição perder sua justiça, seu caráter virtuoso, tornando-a um verdadeiro pecado.

Santo Tomás explica: Continuar lendo

O QUE É A VIRTUDE DA AFABILIDADE?

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Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Afabilidade é a simpatia, a virtude que nos compele a preencher nossas palavras e ações externas aquilo que possa contribuir para tornar amigáveis e agradáveis as nossas relações com o próximo. É uma virtude eminentemente social, moralmente necessária para a existência humana, e um dos sinais mais delicados e inequívocos de um autêntico espírito cristão.

Suas manifestações são inúmeras, todas gerando a simpatia e a afeição daqueles ao nosso redor – bondade, elogios simples, indulgência, gratidão manifestada com entusiasmo, educação nas palavras e maneiras, etc.

Ainda assim, como é uma virtude moral, a afabilidade sempre deve ser mantida em um meio termo justo, pois pode-se pecar contra ela por excesso (adulação) e por falta (litígio, espírito de contradição).

Adulação é o pecado daquele que tenta agradar alguém de modo desornado ou exagerado para extrair dele alguma vantagem. No fundo, ele sempre vem acompanhado de hipocrisia e egoísmo. Como São Tomás diz: “Como dissemos, a amizade referida, ou afabilidade, embora tenha como fim principal causar prazer àqueles com quem convivemos, contudo, quando é necessário, para conseguir um bem ou evitar um mal, não teme contristar. Por onde, quem quer de todos os modos  falar a outrem para lhe causar prazer, excede o modo devido de fazer e portanto peca por excesso. E se o fizer só com a intenção de causar prazer, chama-se complacente, segundo o Filósofo; se, porém, tirar algum proveito, chama-se lisonjeiro ou adulador. Mas, comumente, a palavra adulação costuma ser aplicada só àqueles que, excedendo o modo devido da virtude, querem agradar aos outros na convivência ordinária com palavras e obras” (II-II, 115, 1) Continuar lendo

É LÍCITO MENTIR EM ALGUMA CIRCUNSTÂNCIA?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Não há dúvida de que mentir é proibido pela Lei de Deus (8º Mandamento) e, sendo este um mandamento negativo (“Não mentir”), obriga sempre e em todo caso, diferentemente de um mandamento positivo (“Honrar pai a mãe”), que obriga apenas quando necessário.

Essa necessidade absoluta foi exposta dramaticamente por Nosso Senhor perante Caifás e o Sinédrio inteiro quando Ele respondeu claramente “Sim, tu o dizes”, o que significa: “Eu sou Cristo e o Filho de Deus”. Nosso Senhor sabia perfeitamente que essa confissão iria levá-Lo à crucifixão. Então, permanece de pé o princípio de que “não havemos de fazer o mal para que venham bens [deste mal]” (Rom 3,8)

Dito isso, não se tem a obrigação de dizer a verdade quando desnecessário fazê-lo. Além disso, tem-se o direito de distrair o interlocutor para algum outro assunto. Os moralistas permitem o uso de anfibologia (afirmação ambígua, com duplo sentido, como: “Pedro não está em casa”, significando: “Para vê-lo”) se uma pessoa prudente a entenderia dadas as circunstâncias. Semelhantemente, os moralistas explicam que não se pode simular uma ação (um ministro ardilosamente retém a intenção de dar absolvição, p. ex.), mas pode-se dissimular uma ação para fazer terceiros pensarem que se está fazendo algo quando, na verdade, não se está. Portanto, é lícito a um Padre admoestar severamente seu penitente, para dar a impressão aos outros de que está dando-lhe absolvição [quando, na verdade, não está].

Em alguns casos recentes notórios, há controvérsia e debate sobre se alguns investigadores mentiram ou simplesmente usaram anfibologia e restrições mentais amplas, ou seja, dissimulação ao invés de simulação. Não podemos, porém, permitir que o sucesso aparente de alguns vídeos enganem nosso julgamento. Se eles foram obtidos através de mentiras, seria um caso do fim justificando os meios. Os filhos da luz não podem usar os meios e armas dos filhos das trevas. A revolução deve ser combatida com a contrarrevolução e não com os princípios da própria revolução.

QUAL É A DIFERENÇA ENTRE CALÚNIA E DETRAÇÃO? PODEM SER PECADOS GRAVES?

Conceito de Calúnia, definição e o que é

Pe. Juan Carlos Iscara – FSSPX

O homem tem direito a sua boa reputação. Um “direito” é aquilo que é devido a alguém e que não pode ser negado sem uma injustiça. “Reputação” é a opinião tida por muitos sobre a vida e o comportamento de uma pessoa. É a consequência das qualidades físicas, intelectuais e morais daquela pessoa e de suas realizações e, como tal, pertence a ela, é sua propriedade. É, como Santo Tomás diz, uma das propriedades temporais mais preciosas do homem. Sem a boa estima de seu próximo, a vida de um indivíduo na sociedade torna-se muito difícil e mesmo quase impossível.

Detração é a violação injusta da boa estima na qual uma pessoa é tida através de revelar aos outros alguma falta verdadeira, porém oculta, daquela pessoa. Santo Tomás diz que é um pecado mais grave que o roubo, pois a boa reputação é melhor que o patrimônio. A calúnia difere da detração apenas pois, nela, o que é dito ou imputado ao outro é falso, e sabe-se que é falso; nesse caso, ela acrescenta a malícia da mentira.

Despojar alguém dessa boa estima sem uma causa proporcional constitui uma injustiça, o que é mais ou menos grave de acordo com o dano provocado e que impõe ao praticante a obrigação de restituição. Continuar lendo

ESPERAMOS MUITO DE NOSSO DIRETOR ESPIRITUAL, MAS O QUE DEVEMOS FAZER PARA COLHERMOS OS BENEFÍCIOS ESPIRITUAIS DE SUA DIREÇÃO?

A direção espiritual

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

A primeira e mais importante obrigação do dirigido é total sinceridade e transparência do coração, porque, sem isso, é completamente impossível que a direção produza frutos. O diretor precisa saber tudo: tentações, fraquezas, propósitos, boas e más inclinações, dificuldades e estímulos, triunfos e derrotas, esperanças e ilusões – tudo deve ser revelado com humildade e simplicidade. Alguns autores espirituais até recomendam que se revele a falta de confiança que se pode estar começando a ter em relação ao diretor.

É errado – e inútil para fins espirituais – revelar apenas coisas boas ou menos más, revelando nossas maiores misérias e pecados apenas a outro Padre. Sem sinceridade e abertura, seria melhor abandonar uma direção espiritual que, nesse caso, será pura e simples hipocrisia, enganação e desperdício de tempo.

Porém, não é necessário exagerar. Tudo que é importante para a vida espiritual deve ser revelado com total sinceridade ao diretor; mas seria um exagero evidente dar-lhe contas até dos menores detalhes da vida íntima da pessoa dirigida. Muitas coisas de menor importância podem e devem ser resolvidas pelo dirigido. Continuar lendo

A QUE, PRECISAMENTE, O PRECEITO DE AMAR NOSSOS INIMIGOS NOS OBRIGA?

Por que devemos amar nossos inimigos?

“Inimigos” são aqueles que nos odeiam, ou que nos fizeram algum mal sem uma justa compensação ou a quem sentimos aversão por algum motivo (desgosto natural, inveja, etc).

Há um preceito divino especial de amar esses inimigos, não enquanto inimigos, mas na medida em que são capazes da bem-aventurança eterna e, de fato, estão destinados a ela. A inimizade deles é um mal e, como tal, deve ser rejeitada, mas as pessoas que são nossas inimigas devem ser amadas pelos dons que Deus lhes deu – elas devem ser amadas por Deus. O preceito é “especial” no sentido de ter sido promulgado por Nosso Senhor em pessoa (Mt 5, 4) e em razão da dificuldade de colocá-lo em prática. Na verdade, ele não é diferente do preceito de amar ao próximo.

Portanto não devemos odiá-los, isto é, não devemos desejar-lhes mal algum, nem nos alegrarmos com algum mal que lhes suceda. Mesmo sendo nossos inimigos, não deixam de ser filhos de Deus e de terem sido chamados à bem-aventurança; odiá-los seria um pecado, é  incompatível com o amor de Deus.

Não podemos vingar-nos deles, isto é, não podemos retribuir o mal com o mal, pois essa intenção deriva do ódio ou de outro motivo desordenado. Em teoria, é permitido desejar algum mal, algum tipo de punição ou sofrimento a eles, mas apenas se formos motivados por motivos de justiça ou de caridade genuína – isto é, para por um freio ao malfeitor e restaurar a ordem da justiça, ou para ajudá-lo a corrigir-se e a voltar-se para Deus. Mas, na prática, em razão da nossa fraqueza, é muito difícil agir baseado puramente nesses motivos. Portanto, é melhor abster-se de desejar mal a qualquer um. Continuar lendo

SABEMOS QUE DEVEMOS AMAR AO PRÓXIMO COMO A NÓS MESMOS, MAS COMO DEVEMOS AMAR A NÓS MESMOS?

Igreja | Associação dos Campistas Santa Terezinha do Menino Jesus | Página  15

Pe. Juan Iscara, FSSPX

É necessário ter ideias claras acerca do verdadeiro amor de caridade por si mesmo, porque há muitas maneira de amar a si mesmo que não têm nada a ver com a caridade sobrenatural que deve regular nossas relações com o próximo.

Primeiramente, há o amor sensual, desordenado e imoral, que o pecador professa a seu corpo, dando-lhe todo tipo de prazeres ilícitos.

Também há o amor puramente natural, que consiste em preservar a própria existência e buscar o próprio bem. Não é uma virtude sobrenatural, pois é apenas algo puramente instintivo e natural, mas não é uma desordem em si. Esse amor-próprio é comum a todos os homens, bons e maus.

Há uma espécie superior de amor, o amor sobrenatural de desejo, pelo qual a felicidade eterna da glória do céu é desejada. Ele é bom e honesto, porém imperfeito e, na verdade, pertence à virtude da esperança, não da caridade.

Finalmente, há o amor sobrenatural de caridade, pelo qual amamos uns aos outros em Deus, através de Deus e por Deus. Essa é uma forma perfeitíssima de amor, da mais alta dignidade, pois, tendo Deus como seu motivo formal – embora recaia materialmente sobre outros homens – pertence, propriamente, à virtude teológica da caridade e recebe dela sua excelência. 

De acordo com essas distinções, então, o amor sobrenatural de caridade por si é o ato sobrenatural pelo qual amamos a nós mesmos em Deus, através de Deus e por Deus. O amor de caridade por si próprio estende-se à nossa própria pessoa e a tudo que pertence a nós, tanto na ordem natural, quanto na sobrenatural, pois tudo deve estar relacionado com Deus. Continuar lendo

HÁ CIRCUNSTÂNCIAS NAS QUAIS OS SACRAMENTOS DA IGREJA PODEM SER MINISTRADOS A NÃO-CATÓLICOS?

SACRAMENTOS DA IGREJA (PARTE 2 DE 2) | Pela Fé Católica

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

O Cânone 731, § 2º, claramente estabelece que “é proibido que os Sacramentos da Igreja sejam ministrados a hereges e cismáticos, ainda que peçam por eles e estejam de boa fé, exceto se, tendo rejeitado previamente os seus erros, eles se reconciliarem com a Igreja”

Todos os canonistas e moralistas concordam que aqueles que são hereges ou cismáticos e sabem que estão em erro não podem receber os Sacramentos da Igreja, a não ser que renunciem a seus erros e reconciliem-se com a Igreja. Numerosos decretos do Santo Ofício põem essa questão a salvo de qualquer controvérsia.

Há controvérsia acerca daqueles cristãos (batizados) que estão separados da Igreja de boa fé. É evidente que a Igreja não pode, como regra, permitir a administração dos Sacramentos a não-católicos. Isso negaria seus próprios princípios. Os Sacramentos são oferecidos àqueles que estão dispostos a viver de acordo com o que a Igreja ensina.

Acerca daqueles não-católicos que estejam em boa saúde, a proibição de dar os Sacramentos é absoluta. Mas, se estiverem em perigo de morte, parece que pode haver uma exceção. Continuar lendo

POSSO FAZER UMA TATUAGEM?

Por acaso, é pecado um cristão fazer uma tatuagem? | Opinião | Renato  Vargens | Pleno.News

Juan Carlos Iscara, FSSPX

Posso fazer tatuagem, já que surgiram tecnologias para removê-las de modo simples, barato e indolor?

Fazer tatuagem não é um ato pecaminoso em si mesmo, mas também não é um ato moralmente neutro. Em todo caso, não é a facilidade de remoção a condição fundamental para determinar a sua moralidade. A “moralidade” de um ato consiste na relação deste com a lei moral, que é, em última instância, a lei de Deus. Ela pode ser determinada considerando o objeto da ação (o que se faz), juntamente com o fim desejado por quem desempenha a ação, as circunstâncias em que ela se realiza, e como esses três fatores se relacionam com a lei moral, seja quando está em conformidade com ela (neste caso, a ação é moralmente boa) ou quando se lhe é oposta (a ação é moralmente má, um pecado).

Pois bem, primeiramente, o objeto: o que é uma tatuagem? Tatuagem é uma “marca ou desenho permanente feito no corpo por meio da introdução de pigmento na pele” (Enciclopédia Britannica). A tatuagem tem sido usada no mundo em diferentes períodos históricos por razões distintas. Havia sido praticamente erradicada do mundo ocidental até ter sido redescoberta nos últimos séculos pelo contato com índios americanos e polinésios, porém mesmo então era usada quase exclusivamente pelas camadas marginais e menos respeitáveis da sociedade. Hoje, todavia, desde os anos 1990, a tatuagem parece ter se tornado uma moda, chegando até a ser “respeitável”.

Não obstante as tatuagens terem sido proibidas na Bíblia (Lv 19,28), foram-no porque representavam a profissão de superstições cananitas e cultos pagãos. Em si mesma, enquanto simples marca no corpo, a tatuagem não é pecaminosa, pois não transgride um mandamento divino, tampouco um bem humano ou ensinamento da Igreja. No entanto, pode se tornar pecaminosa devido à sua circunstância, por exemplo: o custo de uma tatuagem pode ser excessivo em relação ao ganho de uma pessoa; a tatuagem pode deixar cicatrizes se removidas posteriormente; a imagem tatuada pode ser imoral ou obscena e até mesmo blasfema ou satânica; ela pode cobrir uma parte muito grande do corpo, desfigurando-o, ou pode ser feita em uma parte imodesta do corpo. Continuar lendo

O QUE DEVEMOS FAZER PARA TRANSFORMAR NOSSAS AÇÕES EM ORAÇÃO?

Rezar sempre, desanimar jamais!

Pe. Juan Iscara, FSSPX

São Paulo respondeu a essa pergunta quando escreveu: “Logo, ou comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus… Tudo que fizerdes, fazei-o pelo Senhor e não pelos homens”. Santo Agostinho ensina que devemos converter nossa vida, nossas ações, nossas ocupações, nossas refeições, até mesmo nosso repouso em um hino de louvor a Deus: “Que a harmonia de vossa vida se eleve como uma canção, para que vós jamais cesseis de rezar… Se vós desejais louvar, canteis, portanto, não apenas com vossos lábios, mas dedilheis as cordas do saltério das boas obras; vós louvais quando trabalhais, quando comeis e bebeis, mesmo quando descansais, quando dormis; vós louvais mesmo quando estais em paz”. Santo Tomás expressa, resumidamente, o mesmo pensamento: “O homem reza na medida em que direciona toda sua vida a Deus”

É o amor que direciona toda nossa vida a Deus. A maneira prática de direcionar todas as nossas ações dessa maneira é oferecer cada uma delas à Santíssima Trindade em união com Jesus Cristo vivendo em nós e de acordo com Suas intenções.

Devido à nossa natureza decaída, nossas intenções e nossos pensamentos facilmente tendem para o pecado, e, se seguissemos as inclinações de nossos sentimentos, nossas obras seriam pecaminosas. Portanto, devemos renunciar a nossas próprias intenções para nos unir às de Jesus. Ao iniciar qualquer ação, devemos renunciar a todos os nossos sentimentos, todos os nossos desejos, todos os nossos pensamentos, todos os nossos desejos para entrarmos, de acordo com a palavra de São Paulo, nos sentimentos e intenções de Jesus Cristo.

Quando nossas ações perduram por algum tempo, é útil renovar essa oferenda voltando o olhar para o Crucifixo ou, melhor ainda, para Jesus vivendo em nós, e elevar nossa alma a Deus através da repetição de jaculatórias. Dessa maneira, nossas ações, mesmo as mais comuns e básicas, tornar-se-ão uma oração, uma elevação da alma a Deus, e nós, portanto, cumpriremos o ensinamento de Jesus: “Orai e Vigiai”.

É POSSÍVEL ACRESCENTAR UMA INTENÇÃO A UM TERÇO JÁ REZADO?

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Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

É verdade que, em todas as nossas orações, assim como nas Missas a que assistimos, podemos ter várias intenções e que cada intenção adicional não diminui as outras. No entanto, o bom senso indica que a intenção deve preceder o ato, pois, se assim não fosse, ela não poderia dar o propósito ou a moralidade ao ato, nem poderia ser a causa final pela qual o ato é praticado. Se praticamos um ato de bondade, é pelo fim pelo qual ele foi praticado (finis operantis), que é a principal circunstância que determina seu valor e seu mérito. O mesmo pode ser dito de nossas orações e terços. As intenções são a razão pela qual praticamos esses atos, e, consequentemente, se queremos que elas tenham alguma influência nas nossas orações, devem ser formuladas preferencialmente no início, mas pelo menos antes do fim dessas orações ou terços. De outra maneira, elas não poderão ser consideradas como sendo as intenções dessas orações.

Esse princípio é confirmado pelo ensinamento dos teólogos morais acerca das intenções de um Padre que oferece o Santo Sacrifício da Missa. A intenção pela qual a Missa é rezada deve ser formulada antes da Missa. Ela não precisa ser formulada imediatamente antes, mas pode ser formulada com boa antecedência. O mais tardar, no momento em que a essência do sacrifício da Missa acontece, ou seja, durante o Cânon da Missa, antes da segunda consagração. De outra maneira, não se poderá considerá-la uma intenção pela qual a Missa foi rezada (Prummer, Man. Th. Mor: III. p. 183)

De maneira semelhante, o fiel deve formular as intenções de seus terços, orações e Missas antes do início, ou ao menos quando começam esses exercícios. É boa coisa ter uma intenção geral além das intenções particulares, como, por exemplo, por tal e tal pessoa doente. Essa intenção geral pode ser por todos aqueles que se recomendam às nossas orações, ou pela Igreja e pelas almas necessitadas. Outro tipo de intenção geral que se recomenda é aquela descrita por São Luís Maria Grignion de Montfort na prática da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora, qual seja, praticar todas as nossas ações e orações por Maria como nosso fim próximo, isto é, pelas intenções dela, pois, assim, damo-lhe o valor de todas as nossas boas ações e entregamos a ela pleno direito de dispor delas. Se essa é nossa intenção geral, não precisamos nos preocupar se não mencionamos uma intenção particular, seja porque nos esquecemos dela ou porque não a conhecíamos. Pois já que Maria, na glória do céu, conhece todas essas intenções, ela pode aplicar os méritos de nossas orações a essas intenções, e jamais teríamos que nos preocupar se houve alguma intenção que deixamos de mencionar e à qual precisamos aplicar nossas orações retroativamente.

TODO E QUALQUER JULGAMENTO DO PRÓXIMO É CONDENADO POR CRISTO?

Porque Julgar ao Invés de Ajudar? - Deuscubra Como Para com o ...

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Quando perguntado sobre um homossexual de boa vontade que busca o Senhor, o Papa Francisco, num comentário que se tornou famoso, respondeu “Quem sou eu para julgar?” Isso parece estar perfeitamente na linha do mandamento de Nosso Senhor, quando Ele ordenou “não julgueis, para não serdes julgados” (Mt 7,1). Por outro lado, o Verbo de Deus também nos disse que “devemos julgar não de acordo com a aparência, mas fazer um julgamento justo” (Jo 7,24)

Para resolver essa contradição aparente, devemos distinguir os diferentes sentidos em que falamos de “julgamento”.

Em primeiro lugar, o julgamento é um ato de nossa inteligência pelo qual percebemos o acordo ou desacordo entre duas ideias; em outras palavras, é, como Santo Tomás explica, o ato mental pelo qual afirmamos ou negamos algo – por exemplo, quando fazemos afirmações simples sobre as circunstâncias de nossas vidas cotidianas, como quando dizemos “hoje é um lindo dia”, ou “eu não gosto de doces”, e mesmo quando afirmamos coisas mais sérias, doutrinais, tais como “Deus existe” ou “o aborto é um crime”.

Esses julgamentos são necessários para se viver uma vida humana normal. Eles são necessários para o exercício da virtude moral da prudência, que nos ajuda a discernir o que devemos fazer a todo momento para direcionar todas as nossas ações, grandes e pequenas, de maneira segura e tranquila, para seu fim último, que é Deus. Portanto, Deus não proíbe tais julgamentos – na verdade, Ele não os poderia proibir sem nos privar de algo essencial à natureza que Ele mesmo nos deu. Continuar lendo

SOMOS OBRIGADOS, SEMPRE, EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS, A CONTAR A VERDADE E NADA MENOS QUE A VERDADE COMPLETA?

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Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Moralistas costumam começar a resposta a essa pergunta primeiramente fazendo a distinção entre preceitos positivos e negativos.

Preceitos negativos obrigam sempre, em todas as circunstâncias, pois eles proíbem a prática de atos intrinsecamente maus. Por exemplo, o 5º Mandamento indica que, simplesmente, não há um caso possível em que nos seria permitido matar um inocente.

Por outro lado, preceitos positivos sempre obrigam, mas não em todas as circunstâncias de nossas vidas. Eles requerem a prática de atos bons; eles sempre são vinculantes, mas nem sempre efetivos, em razão de uma falta de capacidade, ou de uma ocasião adequada, ou de circunstâncias apropriadas… A sua aplicação é flexível, porque algumas obrigações positivas normalmente entram em conflito com outras obrigações positivas. Portanto, o preceito de amor ao próximo como a nós mesmos indica que – por exemplo – nós devemos dar esmolas a aqueles necessitados, mas não demanda que nós demos todo nosso dinheiro, porque temos o dever de sustentar nossa própria família…

Contar a verdade é um preceito positivo e, como tal, não obriga sempre. Certamente, nunca é permitido mentir. Mas isso não significa que nós temos que contar a verdade completa sempre, em toda ocasião, em toda circunstância… Podemos escolher permanecer em silêncio, porque contar a verdade pode entrar em conflito com outra obrigação positiva – por exemplo, guardar um segredo, proteger uma reputação, preservar o bem comum…

Portanto, às vezes é lícito esconder a verdade. São Tomás (IIa-Iiae, q. 110, a. 3, ad 4) ensina que, embora nunca seja lícito contar uma mentira, “às vezes é lícito esconder, prudentemente, a verdade” — ou seja, às vezes, a verdade pode ser ocultada para um fim honesto, para proteger bens importantes ao bem da alma ou do corpo.

Mas esconder a verdade é proibido se outro preceito (fé, caridade, justiça, etc) exige que seja contada. Nesses casos, se a verdade for ocultada, dois pecados podem ser cometidos, um contra a veracidade e o outro contra a outra virtude afetada. Portanto, é proibido esconder a verdade quando somos obrigados pelo preceito a confessar a Fé, ou, quando ex officio (em razão de nosso ofício ou função) há uma obrigação de ensinar a verdade ao outro (especialmente se formos pagos para isso), ou quando um juiz, que tem o direito legítimo de saber a verdade, interroga-nos; ou quando um superior religioso interroga seus subordinados sobre as coisas relativas ao governo deles; ou quando um confessor indaga seu penitente sobre coisas necessárias para julgar retamente o estado da alma…

Inversamente, fora desses casos e com razão suficientemente proporcional, é permitido omitir a verdade à pessoa que pergunta.

COMETO O PECADO DE FOFOCA SE FALO À MINHA ESPOSA DE PESSOAS QUE FIZERAM ALGO ERRADO A MIM?

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Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

A doutrina moral católica nos ensina que uma das coisas mais importantes que uma pessoa tem é sua reputação, pois ela é a base a partir da qual nós nos relacionamos entre nós em nossas interações sociais.

Santo Tomás enumera (IIa-IIae, qq. 72-76) todas as maneiras pelas quais podemos danificar o próximo com nossas palavras, ou seja, como nós podemos, injustamente, macular a reputação ou a honra de uma pessoa, que não está presente normalmente, seja contando mentiras sobre ela ou compartilhando verdades sobre ela de forma inapropriada. O murmúrio consiste em falar pelas costas de uma pessoa, danificando sua imagem. A calúnia consiste em contar mentiras que atingem a reputação de uma pessoa. Detração refere-se a revelar certas verdades sobre alguém que, apesar de verdadeiras, não devem ser compartilhadas e que, na verdade, diminuem ou atingem a imagem daquela pessoa ante os outros. Derrisão refere-se a fazer graça de uma pessoa de tal maneira que diminua sua honra e compostura aos olhos dos outros. Maldição é o desejo falado de que uma pessoa sofra um mal.

Todos esses pecados da fala são reunidos, na nossa linguagem comum, sob o nome de “fofoca”.

A gravidade desses pecados é variável, de acordo com o grau de dano causado pelas nossas palavras, com as circunstâncias em que essas palavras são ditas (onde, quando, na presença de quem, que tipo de linguagem etc) e, mais importante, de acordo com a intenção da pessoa que fala.

Certamente, sempre é proibido contar mentiras, e muito mais se essas mentiras causam dano à reputação de uma pessoa. Também é proibido revelar verdades desnecessariamente sobre alguém, verdades que essa pessoa preferiria que não soubessem. Obviamente, pode haver ocasiões quando é necessário compartilhar certas verdades sobre os outros, como para evitar um dano a um terceiro – mas essa revelação deve ser feita com discrição, ou seja, apenas para aqueles que precisam saber, e deve-se contar apenas o que é certamente verdadeiro e, apenas, a verdade que precisa ser revelada, não tudo o mais sobre aquela pessoa.

Não obstante, há momentos em que precisamos falar sobre defeitos ou idiossincrasias de pessoas que não estão presente – por exemplo, quando buscamos conselhos para lidar com alguma pessoa ou com as consequências do que algo que essa pessoa fez conosco, ou quando precisamos de encorajamento em uma situação difícil na qual alguém nos colocou, ou quando nós simplesmente precisamos colocar algo “para fora do nosso peito” antes que esse sentimento nos leve a ressentimentos ou outros atos não caridosos.

Nesses casos, e mantendo o máximo de discrição possível, nós podemos falar a alguém que julgamos confiável e capaz de fornecer ajuda através de um conselho razoável ou apoio solidário.

Se sou casado, não deveria haver ninguém mais próximo de mim que minha esposa, ninguém mais confiável e solidário em meus momentos de necessidade.

Nessas circunstâncias, minhas palavras sobre alguém – mesmo que sejam danosas à sua reputação – não são fofocas, desde que eu transmita o que é certamente verdade, que não busque atingir a reputação do outro, que não encontre nenhuma alegria em expor suas faltas e não tenha nenhuma intenção de que o que contei se espalhe para mais alguém. Mas, ainda assim, devemos ter muito cuidado com esse tipo de conversa, pois podemos cair em pecado muito facilmente.

PODEMOS REZAR PARA QUE A DOENÇA DOLOROSA DE OUTRA PESSOA SEJA TRANSFERIDA PARA NÓS?

O sofrimento dos inocentes é um eterno problema para a filosofia e ...Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

O amor da Cruz é uma parte integral e essencial da nossa vida Católica, como nosso Divino Salvador mesmo disse, “Se alguém quiser vir após de mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me” (Lc 9, 23); e, como São Paulo também ensina: “Mas longe de mim o gloriar-me senão da cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim, e eu crucificado para o mundo“ (Gl 6, 14). Também é verdade que o sofrimento físico é uma das cruzes mais difíceis de se suportar sem ressentimento e com amor. Teoricamente, também seria um grande ato de caridade pedir que o sofrimento de outra pessoa seja transferido para si mesmo, visando aliviar a outra pessoa.

Porém, há uma diferença enorme entre aceitar os sofrimentos que Deus, em Sua bondade, digna-se enviar-nos, e realmente e positivamente querer que esses sofrimentos venham sobre nós. É a diferença entre o segundo e o terceiro graus de humildade descritos por Santo Inácio nos seus Exercícios Espirituais. O segundo grau de humildade é o da indiferença, isto é, a aceitação do que Deus quiser enviar-nos, seja doença ou saúde, pobreza ou riquezas, etc. “Eu nem desejo, nem estou inclinado a…” O terceiro grau é inteiramente heroico e consiste em efetivamente escolher ou desejar pobreza, sofrimento ou insultos ao invés do contrário “quando o louvor e a glória da Divina Majestade seriam igualmente servidos, para imitar e estar em realidade mais próximo de Cristo, Nosso Senhor…” (ibid.).

Porém, deve-se tomar nota de que esse desejo e essa oração são a vontade de Deus apenas quando são frutos de uma alma que atingiu a perfeição. Isso é o que o Pe. A. Tanquerey tem a dizer em seu tratado intitulado A Vida Espiritual: “O desejo e o amor do sofrimento… são o grau próprio das almas perfeitas e especialmente das almas apostólicas, dos religiosos, Padres e homens e mulheres devotos. Tal é a disposição que animava Nosso Senhor quando ele ofereceu a Si mesmo como vítima na Sua entrada neste mundo… Por amor a Ele e para se tornarem mais como Ele, as almas perfeitas adentram os mesmos sentimentos” (§1091)

Em qualquer outra alma, porém, essa oração ou desejo poderia ser uma forma de autoengano e mesmo uma tentação do demônio para causar desânimo. O Padre Tanquerey prossegue indagando-se se é apropriado a uma alma pedir, formalmente, sofrimentos extraordinários a Deus, como os Santos têm feito e como, em nossos dias, algumas almas generosas ainda fazem. Porém, geralmente falando, esses pedidos não podem ser prudentemente recomendados. Eles podem, facilmente, levar a ilusões e, normalmente, são resultado de algum impulso de generosidade irrefletido que se originou da presunção… Daí advêm violentas tentações de desânimo e mesmo de reclamar da Divina Providência… Consequentemente, não devemos pedir sofrimentos ou provas extraordinários… Se alguém se sentir inclinado a tal, deve buscar conselho com um criterioso diretor de almas e não fazer nada sem sua aprovação” (ibid., §1092).

Aí está a resposta da pergunta: só se deve fazer esse pedido após ter discernido que tal é a vontade de Deus porque se está sendo chamado à perfeição, e se o diretor espiritual estiver de total acordo.