OS QUE RESPEITAM O TRATO DA ALMA COM OS PRÓXIMOS

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  1. Vencer o mal com o bem, e dar retorno de benefícios por agravos, é doutrina Evangélica. Porém adverte, que alguns soberbos que a sabem, nem deste modo quererão que os venças; e ou presumirão não ser a tua caridade pura, senão misturada com apetite de levar-lhes vantagem; ou se poderão exasperar de que sejas mais espiritual que eles. Neste caso é necessário furtar a volta ainda mais por baixo, buscando ocasião em que te mostres necessitado, ou desejoso de algum benefício seu; ou que tu lhes fizeres seja tão oculto, que lhes chegue a utilidade despida da notícia do benfeitor. Pelo menos o benefício de orar a Deus por eles, nunca poderão, se tu quiseres, nem sabê-lo, nem evitá-lo.
  1. Se aspiras ao recolhimento interior e paz de coração, importa-te precisamente ter igual amor a todos os próximos e igual esquecimento de todos, sejam ou não sejam parentes, ou conhecidos do mesmo, ou diferente estado, pátria, gênio, etc. Não ocupes o espírito em cuidar muito deles. Até do próprio Confessor é necessário um santo despego, não arrimando a ele a confiança de que te fará santo; porque nisto injurias a graça de Deus. Se observares bem este aviso, livrar-te-ás de muitas imperfeições, erros e perigos.
  1. Toma o que o mundo deixa, e deixa o que o mundo toma; e terás paz com os próximos, contigo e com Deus. Honra, gosto e abundância é o que todos comumente buscam. Desprezo, dor e pobreza é o de que fogem. Em trocando tu estas bolas, acabou-se a guerra; e depois de acabada, virão buscar-te as honras, deleites e riquezas verdadeiras.
  1. Quem não desprezar a glória do mundo e o descanso do corpo, e as justificações da sua razão, nunca jamais poderá remover de si o jugo da vontade própria, nem ver-se livre da ira e tristeza, nem viver quieto com seu próximo.
  1. Impossível é que alguém trate a seu próximo com ira, e escandecência, sem primeiro se lhe levantar o coração, e ter desprezo dele, reputando-se por melhor.

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OS QUE RESPEITAM O TRATO DA ALMA CONSIGO

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  1. Não te aflijas com cuidados do futuro; porque o tempo desmancha e baralha toda a ordem das coisas que propunhas na imaginação; e de hora para hora tomam os negócios muito diferente aspecto. Lança-te todo na Providência do Altíssimo; e basta ao dia presente a sua malícia. Especialmente se os negócios são de Deus, experimentarás que nunca estão mais ganhos que quando parecem estar perdidos.
  1. Persuade-te muito deveras que, enquanto viveres, hás de ser miserável. Porque isto é condição própria e intrínseca do estado de peregrino neste mundo. E assim como seria pensamento néscio, e esperança vã, querer um condenado no inferno ter glória ou um Bem-aventurado no Céu ter pena, assim o é querer um peregrino no mundo ter satisfação e descanso. Bem podes pois fazer o ânimo, a que nunca te hão de faltar trabalhos, tristezas, tentações e moléstias; e deste modo te serão mais sofríveis e rendosas.
  1. Se escorregaste em alguma impaciência, ou desabrimento com o próximo, não te assombres, nem aflijas, nem desmaies; que um vício não se remedeia com outro. Faz então estas três diligências: 1o. Volta logo sobre ti mesmo e dá fé de quão miserável és; 2o. Volta para Deus, e arrepende-te, confiando de sua bondade, que te perdoará; 3o. Não faças mais reflexão sobre o que passou, fazendo-te esquecido, como se por ti não passara. Deste modo fica outra vez temperado o instrumento do teu espírito.
  1. Se tens desejo de aproveitar, e lhe fazes as diligências, segundo tua fraqueza te permite, não te mesquinhes, nem entristeças de não estar aproveitado. Não se leva este negócio a gritos e empurrões; antes, quanto mais te impacientares com tuas faltas, tanto mais as recalcas em tua alma. Espera quieto; que Deus é o Senhor das virtudes e não tu. Espera humilde e confiado; para o Espírito Santo o mesmo tardar é querer vir. Desses, que te parecem desejos fervorosos e santos, se lhe afastares a terra, acharás ser a raiz soberba, amor-próprio e impureza de intenção.

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SERMÃO DAS CINZAS

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Que o Criador, e as criaturas todas estejam continuamente lembrando ao homem, que há de morrer; e que possa o homem esquecer-se deste desengano! Muito é para admirar, e muito mais para sentir. Se estendermos os olhos da consideração por tudo o que abraça a redondeza do Céu e da terra, acharemos que em todo o tempo, e em toda a parte nos tem Deus postos manifestos avisos, e sinais da nossa morte. Mas também acharemos, que em todo o tempo, e em toda a parte tem o homem posto os sinais do esquecimento da sua morte. Que outra cousa é o movimento dessas estrelas, o ocaso dos planetas, a roda dos tempos, o combate dos elementos, o curso e recurso das águas, a diferença das idades, a mudança dos impérios, a instabilidade dos costumes, e leis, e a perpétua inconstância de todo o século; que outra coisa é, digo, senão uma viva e repetida lembrança que Deus nos faz da morte? E que outra cousa é também a ambição da glória do mundo, a estimação de seus gostos vãos, tantas esperanças, tantos temores sem fundamento; que cousa é todo o reino, ou escravidão do pecado, senão claros sinais do esquecimento que o homem tem da morte?
Enfim, que Deus por sua boca diz: Caelum et terra transibunt1. E o pecador por suas obras responde: Non movebor à generatione in generationem2. Nos tempos de Noé naufragou o mundo em dous dilúvios: um de águas, e outro de pecado: Terra repleta est iniquitate. Multiplicate sunt aquae e omnia repleverunt in superficie terrae3. Avisou Deus primeiro que mostrasse sua ira, e desprezaram os homens sua misericórdia, com tal excesso que Deus, sendo a mesma imutabilidade, mostrou pesar de haver criado o homem; e o homem, sendo a mesma mudança, não mostrou pesar de haver ofendido a Deus. Edificava pois Noé a arca, público desengano daquela destruição geral; e edificavam juntamente os pecadores palácios, e casas de prazer pelo desenho de sua vaidade. Cada prevenção de Noé é um aviso, cada golpe um protesto, tudo são cautelas para escapar da morte, e os pecadores tudo prevenções para lograr-se da vida. Entraram todos os animais naquele estreito refúgio de sua conservação (caso estupendo) e não entrou ninguém em si para tomar o acordo de segui-los.

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O DULCÍSSIMO NOME DE MARIA

II.  MEDITAÇÃO
 
Quanto às virtudes, ou eficácia do augustíssimo nome de MARIA, a mesma Senhora, falando com Sta. Brígida, lhe disse que o seu nome quando se proferia devotamente alegrava os Anjos no Céu e rendiam louvor a Deus; e os da nossa guarda se chegavam mais para os justos, e no Purgatório as almas se aliviam, como o enfermo na cama quando alguém o consola; e os demônios fogem e deixam a alma que tinham nas unhas, como as aves de rapina fogem quando ouvem algum som que as espanta. O que parece quis o Céu confirmar com aquele caso maravilhoso que traz o Padre Cristovão da Vega. Criara certa donzela um pássaro daquela espécie que aprendem a falar o que lhes ensinam, e lhe ensinara a dizer: Ave MARIA; e ele repetia muitas vezes, com aplauso e gosto dos que ouviam. Sucedeu vir uma ave de rapina e levá-lo nas unhas; e o passarinho, repetiu o que costumava: Ave MARIA; e no mesmo ponto a ave de rapina, como se a ferissem com um pelouro, caiu morta em terra, e o passarinho tornou alegre às mãos de quem o ensinava e sustentava. Sem dúvida quis Deus mostrar quanto vale o nome poderoso de MARIA contra os repentinos assaltos do tentador; pois em sendo invocado da alma fiel e devota, logo a infernal ave de rapina solta a presa e desaparece.
Considera particularmente como este augustíssimo nome conforta na hora da morte, e por isto se lhe aplica aquilo dos Cantares, principalmente dito pelo Esposo (Ct 1, 2): Oleum effusum nomen tuum O vosso nome é azeite derramado; porque assim como os lutadores se ungiam com azeite para que as mãos do competidor escorregando não pudessem empregar nos braços do lutador toda sua força; e por isto aos moribundos se administra a Santa Unção, instituindo Cristo por matéria deste Sacramento o azeite para significar e conferir a graça que nele nos dá para entrarmos em luta com o demônio; assim o nome de MARIA, invocado com fé e devoção, parece que Deus lhe comunicou esta eficácia e conforto naquela apertada hora para nos animar contra o inimigo comum; ainda que não seja novo Sacramento; contudo, não é crível senão que o nome de Mãe do Salvador ajude também a salvar, e se glorie o Senhor de a ter por co-salvadora nossa; e por isso disse o Sábio Idiota que o seu nome ungia os lutadores: MARIÆ nomen ungis agonistas; e S. Bernardo, que não temem tanto os inimigos os esquadrões numerosos e bem formados do campo contrário, como os demônios se atemorizam e desmaiam com o nome, patrocínio e exemplo de MARIA: Non sic timent hostes visibiles hostium multitudinem copiosam, sicut aerea potestates MARIÆ vocabulum, patrocinium, exemplum. E Ricardo a S. Laurentio iguala ou avantaja este auxílio do nome de MARIA ao do soberano nome de JESUS: Sicut nomem JESU, mel in ore, in aure melos, in corde jubilus; ita et nomem MARIÆ et amplius, si dicere audeamus.

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