UMA MISSA TRIDENTINA PARA “SÃO” PAULO VI?

Fonte: La Porte Latine – Tradução: Dominus Est

Já é oficial há alguns dias (nota 1) … As comunidades Summorum Pontificum  (nota 2) poderão celebrar a missa tradicional em homenagem a “São” Paulo VI no dia de sua festa, 29 de maio, assim como a de “Santa” Madre Teresa ou de “São” João Paulo II (nota 3) . Bento XVI quis assim e foram necessários anos de reflexão para destronar os Santos tradicionais, a fim de abrir espaço para a coorte de novos Santos.

“Se me amas, Simão Pedro, apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas” (Introito da Missa dos soberanos pontífices). “Eis que te constituo hoje sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e destruires, para arruinares e dissipares, para edificares e plantares.” (Ofertório). Para São Pio X, sim; para João XXIII, Paulo VI e João Paulo II, não!

Dos 177 Santos que compõe o missal tradicional, 70 deles foram eleitos pela comissão romana e mantêm a supremacia sobre os santos do Concílio, mas os outros terão que ceder seu lugar se o padre preferir celebrar em honra de um novo Santo. A lista é longa, já que João Paulo II canonizou mais Santos que seus predecessores dos últimos 5 séculos juntos… E Francisco já procedeu com 51 canonizações (ou 899 pessoas).

As Missas celebradas nos Priorados da FSSPX obtêm, portanto, uma distinção adicional em relação às comunidades Ecclesia Dei: não pela una cum que recitamos, mas pelo “rito extraordinário” deles que se afasta da liturgia tradicional, concordando com as novidades da Roma modernista.

A comunidade judaica já havia ameaçado romper o diálogo judaico-cristão desde que o Motu proprio de 2007 autorizou…a oração pro perfidis Judæis (nota 4), que Roma se apressou em revisar: de acordo com a Nostra Ætate do Vaticano II, isso não era mais apropriado.

Um segundo decreto (nota 5) foi publicado no mesmo dia para propor aos católicos Bento XVI novos prefácios que faltavam na liturgia milenar. Três que já cantamos, mas que são autorizados apenas para determinados lugares, e quatro retirados da missa moderna, segundo a vontade de Bento XVI de interligar os dois missais desse mesmo rito.

O termo rito extraordinário mostra, por si só, toda sua malícia e nos diz que não é aceitável. O Motu Proprio é claro: os dois missais – que se opõem – devem ser recebidos de acordo com a mesma Lex Orandi, um mesmo Rito latino, e eles são a expressão de uma Lex Credendi idêntica. O missal celebrado de acordo com o usus antiquior é apenas uma forma extraordinária do que é ordinário, como se guarda um velho arado para festivais de antiguidades ou por nostalgia. Mas que distinção existe entre essas duas Missas? Entre o santo sacrifício da Missa e a Ceia do Senhor, somos confrontados com uma equivocidade (nota 6). É querer conciliar o irreconciliável.

O último livro (nota 7) do papa do Motu proprio renova sua teoria da morte de Cristo não sendo um ato de religião, e unicamente de um amor que se entrega. O rito bastardo, como dizia Mons. Lefebvre, inclina-se perfeitamente a essa interpretação: o conceito de religião e, portanto, a idéia de sacrifício está ausente.

Por outro lado, a Missa tradicional expressa de forma sublime aquilo que Bento XVI caricatura da idéia de religião primitiva (nota 8): o sacrifício propiciatório. Os Apóstolos, disse ele, foram imbuídos dele, bem como a teologia da época do Concílio de Trento (nota 9). A Missa tradicional autorizada não seria uma condescendência papal para os fiéis retrógrados ​​que, como os apóstolos ou no Concílio de Trento, permanecem apegados ao que é de fato o coração da religião católica?

Haveria amanhã uma Missa de São Pio V de “São” Paulo VI no Priorado? E depois de amanhã, a Missa de Paulo VI de São Pio V, como continuidade lógica do primeiro? Deus nos livre: nem uma nem outra, como prometido! Se mantivermos a liturgia de 1962 em nossos priorados, ela contrasta com a de 1969 (a nova Missa) que é ilegítima e ruim. Cabe ao legislador instituir uma liturgia digna desse nome e condenar as ruins; enquanto isso, seguimos a lei anterior. Sem mistura ou adição (prefácios ou festas de novos Santos), sem a Missa de Pio-Paulo.

O apego da Fraternidade à liturgia tradicional não é uma nostalgia por canções antigas, nem um culto retrógrado para colecionadores, e menos ainda uma expressão diferente da protestante missa do Novus Ordo. É a honra de Jesus Cristo que está em jogo, é a nossa Redenção e a perpetuação pela Igreja do sacrifício de valor infinito.  

Pe. C. du Crest (Priorado de Lion)

(1) Decreto Cum sanctissima (22 de fevereiro de 2020, mas tornado público em 25 de março)

(2) Motu proprio de 2007, pelo qual Bento XVI reafirmou que a Missa tradicional nunca havia sido proibida e autorizou os fiéis que a pediram a fim de se beneficiar da Missa tradicional.

(3) A última edição do missal do Barroux antecipou essas medidas acrescentando os Santos modernos.

(4) Ainda é necessário saber traduzir corretamente o latim da igreja … Perfídio é aquele que é infiel à sua missão, neste caso, o de acolher o Messias. Não há nada antissemita nessa oração.

(5) Decreto Quo Magis.

(6) O Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae gira em torno das quatro causas filosóficas e prova que todas elas foram arruinadas pela nova liturgia. Se elas mudaram, são duas realidades separadas.

(7) Do fundo de nossos corações, com o cardeal Sarah.

(8) A consciência cristã tem sido amplamente marcada nesse ponto por uma representação extremamente rudimentar da teologia da satisfação de Anselmo de Cantuária (A fé cristã ontem e hoje, pág. 197).

Quase todas as religiões giram em torno do problema da expiação; eles surgem da consciência de que o homem tem sua culpa diante de Deus; eles constituem uma tentativa de pôr fim a esse sentimento de culpabilidade, para superar a falha através de obras de expiação que são oferecidas a Deus. O trabalho de expiação pelo qual os homens tentam apaziguar a divindade e torná-la favorável está no cerne da história das religiões (idem, pág. 198).

(9) A essência do culto cristão, portanto, não consiste na oferta de coisas, nem em nenhuma destruição, como tem sido constantemente repetida nas teorias do sacrifício da Missa, desde o século XVI. Segundo essas teorias, a destruição seria a maneira real de reconhecer a soberania de Deus sobre todas as coisas. Todas essas especulações são simplesmente superadas pelo advento de Cristo e pela interpretação dada pela Bíblia (idem, pág. 202).