UTILIDADE DAS TENTAÇÕES

Fonte: FSSPX México – Tradução: Dominus Est

Excelente artigo escrito pelo Revmo. Pe. José María Mestre, da FSSPX, onde ele nos explica o que são as tentações, por onde elas chegam até nós e como vencê-las.

O tempo sagrado da Quaresma representa a vida do cristão sobre a terra, vida que assume o papel de uma guerra constante contra inimigos tenazes que buscam nossa perdição eterna. É verdade que, assim como a Quaresma nos leva à glória da luminosa manhã de Páscoa, da mesma maneira os sofrimentos e lutas desta vida, cristianamente aceitos, nos levam à possessão eterna da bem-aventurança. Mas, enquanto isso, devemos lutar, sofrer. A Quaresma é, então, um tempo de renúncia e dor. É um tempo de tentações por parte de Satanás, do mundo e da carne. A tentação, a prova, é a condição constante do homem que quer ganhar o céu. O próprio Cristo, nossa Cabeça, nosso Modelo, quis ser tentado, para nos ensinar:

  1. Que seremos tentados.
  2. Por onde seremos tentados.
  3. Que armas devemos usar para vencer a tentação.

1º Ao longo de nossas vidas, seremos tentados

A partir do exemplo de Nosso Senhor, que, sendo nossa Cabeça, desejou suportar a tentação do demônio, deduzimos, antes de tudo, que também seremos continuamente tentados. E então podemos nos perguntar: Por que Deus permite que o demônio nos tente? Em outras palavras, que vantagens obtemos da tentação?

Na vida de Santa Catarina de Siena, lê-se que uma vez ela se viu envolvida em um combate espiritual muito prolongado e horrível. Representações torpes, provocadas pelo demônio, desfilavam uma após a outra por sua imaginação. E quanto mais ela as descartava, mais fortemente atacavam. Parecia-lhe que uma água suja a envolvia e que ela estava totalmente submersa nela; apenas sua vontade, que não consentia, permanecia à tona. A prova durou vários dias, no final dos quais o Senhor lhe apareceu:

– Oh, Senhor! Onde estavas quando me via invadida pelas trevas da impureza?

– Minha filha, estava no seu coração.

– Mas, Senhor, como poderias residir nele se sugestões perversas o envolviam por todas as partes?

– Experimentavas, por acaso, alguma complacência nelas?

 – Não, Senhor, apenas horror e amargura, conhecimento da minha miséria, esforços sobre-humanos para não me deixar arrastar, desejos mais ardentes de Vos amar por toda a eternidade.

– Entendestes bem que fui Eu quem infundia em seu coração esse horror e amargura. Comunicava-lhe à sua vontade a energia para que resistisses valentemente. Purificava seu amor para fazer-te digna de um prêmio eterno, grande e admirável.

Duas coisas que esse episódio nos ensina.

A primeira: que tentações não são pecado. Tentação, propriamente falando, é toda solicitação ao mal. Podemos distinguir três elementos:

  • a sugestão ou idéia do mal sugerida pelo inimigo, geralmente atraente, adaptada aos gostos e tendências de nossa natureza;
  • a satisfação ou prazer que o homem se ressente ao ponto na parte viciada de seu ser;
  • e o consentimento da vontade, pela qual a alma cede à tentação e aceita o pecado proposto. Somente uma deletação querida, ou o consentimento da vontade, constituem pecado; mas não a mera idéia do mal que o inimigo nos sugere, nem a exclusão involuntária que ele pode causar em nossos sentidos.

A segunda, que essas tentações são úteis:

– Para fazer-nos conhecer e sentir nossa fraqueza e, assim, adquirir a ciência fundamental da humildade, da desconfiança de nós mesmos e da oração rápida e confiante. Temos exemplos disso em São Pedro e São Pablo (2 Cor 12, 7-10).

  • Para despertarmos de nossa indolência natural e nossa preguiça espiritual: “As grandes tentações têm como efeito ordinário deixar sair de nossa sonolência e de nos tornarmos mais fervorosos“, dizia São João Crisóstomo; “Realizei mais atos de fé de um ano pra cá do que em todo restante da minha vida“, disse Santa Teresinha, referindo-se às fortes tentações que sofria contra a fé no final de sua vida.
  • Para fortalecer nossa vontade e forjar nossa virtude na luta diária. “Porque eras agradável a Deus, foi necessário que a tentação o provasse“, disse o anjo Rafael a Tobias. “Meu filho, se queres entrar no serviço de Deus, prepare tua alma para a tentação“, nos aconselha o livro da Sabedoria. “O homem justo é provado pela tentação, como o ouro fino é provado no cadinho.
  • Para aumentar nossos méritos e merecer a glória eterna: “Bem-aventurado o homem que suporta a tentação, porque, uma vez provado, receberá a coroa da vida que Deus prometeu àqueles que O amam” (Tg 1,12).

2º Por onde seremos tentados?

Do exemplo de Nosso Senhor, deduzimos também por onde seremos tentados. O demônio, para nos tentar, seja sozinho ou através do mundo, deve se adaptar à nossa natureza; melhor dizendo, a tripla inclinação pecaminosa que nossa natureza reteve após o pecado original, mesmo depois de haver sido regenerada pelo batismo. Essa tripla concupiscência nos leva a buscar nosso fim e nossa felicidade fora de Deus e contra a vontade de Deus:

  • Seja nos prazeres dos sentidos: concupiscência da carne: “Se és o Filho de Deus, diga a essas pedras que se tornem pães“;
  • Seja nas satisfações do orgulho e na vontade própria: concupiscência do espírito, ou soberba da vida: “Se és o Filho de Deus, jogue-se daqui“;
  • Seja na abundância dos bens materiais: concupiscência dos olhos: “Tudo isso lhe darei se, prostrando-se diante de mim, me adorares“.
     

3º Que armas devemos usar para vencer a tentação?

Contra essa tripla concupiscência, o exemplo de Nosso Senhor e a prática da Igreja nos propõem um tríplice remédio, uma tríplice penitência (que é ao mesmo tempo uma tripla vigilância: ao mesmo tempo que nos permite reparar as faltas já incorridas, também nos faz evitar tentações futuras):

  • Contra a concupiscência da carne, temos o jejum. Por jejum, entendemos toda obra de mortificação destinada a reprimir a carne, para que ela obedeça ao espírito. Nosso Senhor jejuou e se entregou às austeridades durante quarenta dias.
  • Contra a concupiscência do espírito, temos oração. Por oração, entendemos toda elevação da alma a Deus, todo recurso confiado a Ele. Nosso Senhor orou com intensidade especial durante sua Quaresma para nos ensinar que, na oração, encontraremos o segredo da fortaleza contra as tentações do demônio.
  • Contra a concupiscência dos olhos, temos a esmola. Por esmola, entendemos toda obra de misericórdia, destinada a praticar uma caridade benevolente para com o próximo e a nos livrar do nosso egoísmo natural, pelo cuidado em nos preocupar com os demais.
     

Conclusão

Vamos com Cristo ao deserto da Santa Quaresma, para jejuar alí por quarenta dias e para travarmos um combate com o tentador, se Deus lhe ordenar que nos tente. Embora não possamos jejuar, orar e mortificar-nos como fez Jesus, façamos ao menos o que pudermos. “Comportemo-nos em tudo como verdadeiros ministros de Deus: com muita paciência:  nas tribulações, nas necessidades, nas angústias; nas obras: vigílias e jejuns; na castidade: em ciência, em longanimidade, em caridade não fingida, em bondade; na glória e na ignomínia: na boa e na má fama ”(epístola); sem impaciência, sem lamentos, sem mau humor, sem cansaço. Em uma palavra: levando uma vida de sacrifício contínuo por amor a Deus e Cristo. O tom fundamental que há de se dominar ao longo de nossas vidas, durante a Santa Quaresma, deve ser de total confiança no Senhor, que jejua, luta e conquista em nós e conosco. Ele, que venceu Satanás e suas tentações, também lutará e vencerá em nós: “Meu Deus, sois meu refúgio e minha fortaleza: em Vós confio. Ele que me livrou do laço dos caçadores (do tentador). Ele te fará sombra com suas espáduas e te protegerá sob suas asas. Porque o Senhor enviará seus anjos para que te guardem em todos os seus caminhos. Carregar-te-ão nos braços, para que o seu pé não tropece em nenhuma pedra. Porque confiou em mim, o livrarei, o protegerei, porque conheceu meu nome. Clamará a mim, e Eu o ouvirei: estarei ao seu lado na tribulação. O salvarei e o glorificarei; o saciarei com uma vida longa e mostrar-lhe-ei a minha salvação ”(Sl 90). 

Padre José María Mestre Roc

Extraído da Revista Espanhola Tradição Católica 246